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22-03-2018
Alteração da Lei de Falência: suspensões
O atual art. 6º da Lei 11.101/05 (LRF) trata da suspensão da prescrição e das ações e execuções no âmbito das falências e recuperações judiciais. É um dos dispositivos mais acionados nos procedimentos falimentares, por definir questões de direito material e processual relevantes, em especial, regras de competência para o processamento das demandas judiciais que envolvam o devedor.
Por sua relevância prática, é um dos dos dispositivos da lei mais submetidos à interpretação da jurisprudência pátria, dele tratam Súmula nº. 581 e os Recursos Repetitivos REsp 1643856, REsp 1643873 e REsp 133349 do STJ, além inúmeros acórdãos de Tribunais Estaduais, bem como Enunciados das Jornadas de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (Enunciados 42, 43, 73 e 75).
Todos esses debates evidenciam a necessidade de aperfeiçoamento da norma visando a segurança jurídica dos procedimentos e o esfriamento das controvérsias. A versão disponibilizada do Projeto de Lei – PL, elaborado pelo Grupo de Estudos do Ministério da Fazenda, traz uma nova redação ao art. 6º com mudanças de grande impacto.
No caput, a nova redação do artigo 6º acrescenta que a decretação da falência ou o ajuizamento do pedido de recuperação, além de determinar a suspensão da prescrição e de todas as ações contra o devedor, também determinará a suspensão de qualquer forma de retenção, arresto, penhora ou constrição judicial ou extrajudicial contra o devedor, incluídas aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
A nova redação, seguindo a linha instrutiva do Projeto de Lei, quer deixar ainda mais clara a competência do juízo universal para tratar com exclusividade sobre os bens e negócios do devedor. O texto atual da LRF, se bem interpretado, já determina que o destino dos bens na posse do devedor deve ser decidido com exclusividade pelo juiz condutor da falência ou recuperação judicial (nesse sentido: art. 66 e 76 da LRF).
Não é outro o entendimento da jurisprudência quando estabelece que o juízo da recuperação judicial é universal e o único competente para prática de atos que impliquem restrição do patrimônio do devedor – CC 104.638-SP, DJe 28/4/2010; CC 61.272-RJ, DJ 19/4/2007, e CC 81.922-RJ, DJ 4/6/2007. EDcl no AgRg no CC 110.764-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 11/5/2011.
Também é proposta a alteração do parágrafo primeiro do art. 6º, que trata de competência para o processamento das ações que demandam quantia ilíquida. A nova redação apenas inclui a competência do juízo arbitral.
No parágrafo segundo a proposta traz uma redação reformulada no que tange às obrigações trabalhistas. Quanto ao conteúdo não há qualquer mudança significativa, pois o procedimento atual foi mantido, mas o texto é mais didático na orientação do procedimento a ser adotado pelo juízo trabalhista.
A competência para definir e liquidar o valor dos créditos trabalhistas continua sendo do juízo especializado, que deverá atualizar o débito até a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência e informar ao juízo universal para fins de habilitação no quadro de credores.
A proposta para nova redação do parágrafo terceiro traz duas mudanças importantes. Passa a ser uma obrigação e não mera faculdade o pedido de reserva de crédito por parte do juiz que conduz ação que demandar quantia ilíquida. A outra mudança é a inclusão desse dever também pelo juízo arbitral.
Assim, nas hipóteses do parágrafo primeiro e segundo, o juiz poderá estimar o valor do crédito a ser liquidado e pedir a reserva ao juízo universal. Esta medida é interessante para evitar que credores com preferência na ordem de pagamentos sejam preteridos nos rateios por não ter sido definido o valor líquido do seu crédito.
A sugestão de redação do parágrafo quarto é polêmica, determina que a suspensão das ações e execuções contra a empresa em recuperação judicial não será mais de 180 dias, se estenderá até a data do encerramento do procedimento.
Na visão ideal do legislador de 2005, entre o pedido de recuperação judicial e a concessão do benefício, não deveria transcorrer mais de 180 dias, o que justificaria a limitação da suspensão a esse período. Porém, a prática processual se mostrou perversa e a morosidade típica do Judiciário não escapou aos processo de recuperação judicial.
Assim, mesmo com a atual redação no sentido de que o prazo de 180 é improrrogável, a jurisprudência consolidou entendimento favorável à prorrogação, desde que a demora para tramitação do feito não tenha sido causada pela atuação do devedor.
A proposta, se aprovada, é interessante, pois supera uma contradição do sistema e garante maior segurança e tranquilidade para as negociações. Obviamente não vai agradar os credores, em especial os bancos, que tendem a fazer pressão para não prosperar esta alteração.
Importante observar que o projeto prevê a imediata convocação da assembleia após o recebimento do plano de recuperação (prazo 90 dias para apresentação do plano). Diz ainda que a assembleia de credores será convocada para deliberação em data designada que não excederá o prazo de 120 dias da data de deferimento do processamento do pedido.
A atual redação do parágrafo quinto é mantida e a do parágrafo sexto é a alterada para determinar que passa a ser obrigação do devedor a comunicação ao juízo universal das ações ajuizadas contra ele, tão logo seja citado. Na redação atual essa obrigação também era do juiz que recebe a ação contra o devedor.
A redação do parágrafo sétimo é um retrocesso, pois além de manter a autorização de prosseguimento das execuções fiscais contra empresa em recuperação judicial, permite a constrição e alienação de bens da devedora sem avaliação do juízo recuperacional. No mesmo sentido é o parágrafo décimo primeiro no que se refere a execução das penalidades aplicadas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho e contribuições sociais.
Estão previstas ainda a inclusão de outros quatro parágrafos (9º, 10º, 12º e 13º) com novidades positivas, tais como a suspensão da ação de despejo por falta de pagamento contra o empresário em recuperação judicial e das ações trabalhistas contra os devedores subsidiários.
O parágrafo décimo segundo estipula a possibilidade de adoção da via arbitral, mesmo após o pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência. O parágrafo seguinte prevê a possibilidade de penalização do devedor que agir de má-fé para obter a suspensão dos processos, porém ainda dependerá de regulamentação. O texto não é preciso.
Há mais novidades positivas do que negativas, porém retrocessos não devem ser admitidos. A possibilidade do juízo da execução fiscal decidir sobre os bens da devedora está franca desarmonia com escopo do Projeto.
Gildásio Pedrosa de Lima
Fonte: Jota