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11-06-2025 

Alienação de direitos creditórios na falência na perspectiva do PL 3/24

O PL 03/24 traz em suas alterações regras específicas para que a massa falida possa alienar seus créditos (em face de entes públicos ou particulares), porém, à primeira vista, essas regras indicam maior burocracia e menor efetividade.

I. O contexto do PL 3/24 e a alienação de direitos creditórios da massa falida

O PL 3/24, que tem por objeto mais uma relevante alteração à LREF - Lei de Recuperação de Empresas e Falência, pegou o mercado de surpresa no ano passado, especialmente por ter sido inserido em regime de urgência e possuir em seu texto mudanças bastante significativas no instituto da insolvência brasileira.

O regime de urgência foi retirado e neste momento o PL 3/24 encontra-se em tramitação perante o Senado Federal, sem maiores movimentações em seu processo de deliberação desde o ano passado1.

De qualquer forma, diante da pertinência de várias alterações ali propostas, não se pode perder de vista os possíveis impactos que serão gerados caso o PL efetivamente seja convertido em lei, razão pela qual mostra-se extremamente necessária a manutenção das análises e discussões sobre seu teor.

Neste sentido, vale lembrar que dentre as principais alterações propostas está a criação da figura do "Gestor Fiduciário", que poderá ser eleito pela Assembleia Geral de Credores para substituir o administrador judicial na falência2. Seria, basicamente, um "administrador" eleito pelos credores, e não nomeado pelo juízo, como ocorre com o administrador judicial. 

Neste sentido, uma das principais atribuições desse gestor fiduciário seria a condução de uma outra inovação relevante prevista no PL, qual seja a apresentação do "Plano de Falência"3, instrumento que contemplará, entre outras coisas, i) proposta de gestão dos recursos financeiros da massa falida; ii) plano detalhado de realização dos ativos, com prazo máximo de 3 (três) anos, renovável uma única vez e; iii) plano detalhado para o pagamento dos passivos.

Do mesmo modo, consta também que o Plano de Falência poderá prever a hipótese de aquisição dos bens da massa falida pelos próprios credores, mediante a utilização de créditos incontroversos, como também poderá prever a obtenção de descontos (deságios) em relação às classes de credores, desde que haja aprovação em assembleia pela maioria dos créditos da classe afetada4 e observadas as peculiaridades para a alienação de créditos detidos pela massa falida. 

Consta ainda que o Plano de Realização de Ativo deverá ter previsão das hipóteses em que os bens poderão ser alienados diretamente, a partir da precificação objetiva ou da dispensa de avaliação, ou quando necessária avaliação prévia, bem como periodicidade e validade dessa avaliação, no caso de bens sujeitos a oscilações de valor5.

Além disso, diversas alterações são propostas para o processamento do Plano de Falência e demais atos necessários para a realização dos ativos, pagamento dos credores e encerramento do feito falimentar. 

Como se nota, é nítido que a intenção do legislador até aqui é que haja nas falências maior organização e planejamento para a realização do ativo, concentrando no "Plano de Falência" e no procedimento correlato de tratamento deste, aparentemente, todas as expectativas de resolução de todos os problemas e entraves enfrentados historicamente nestes processos. 

Sem intenção de se discorrer sobre a efetividade ou não dessas possíveis alterações, inclusive sobre a citada acima que prevê um prazo de até 6 anos para a conclusão do plano de realização dos ativos, busca-se no presente artigo abordar as especificidades trazidas no PL 03/24 para a alienação dos direitos creditórios detidos pela massa falida, que sejam objeto de processo judicial, administrativo ou arbitral, seja em face de entes públicos ou entes privados. São os comumente denominados "Legal Claims".

II. As regras para alienação de legal claims da massa falida

Como introduzido acima, a proposta de alteração da LREF trazida por meio do PL 03/24 revela uma concatenação de diversas modificações com o fito de agilizar e/ou conferir maior eficiência ao processo de falência.

As questões relacionadas à necessidade e forma avaliação, métodos de alienação, prazos e demais elementos vinculados à realização do ativo devem estar, primeiro, indicadas no Plano de Falência que, em última análise, deverá ser aprovado pelos credores.

Em uma primeira leitura é possível concluir que pretende-se atribuir maior liberdade e, também, responsabilidade ao "Gestor Fiduciário" ou, quando este não presente, ao administrador judicial, para estudar e sugerir as melhores práticas para se cumprir a finalidade maior da falência, que de forma bastante objetiva e prática é vender os ativos para quitar os passivos.

Embora devam ser matéria de muito debate no campo Legislativo e, certamente, também no Judiciário, as alterações propostas já deixam alguns questionamentos e, sobre isso, vale trazer destaque para as limitações para a alienação dos legal claims de titularidade da massa falida. 

Nessa linha, consta no projeto, ainda dentro da "Seção I-A - Do Plano de Falência", as disposições próprias para alienação de:

Ativo derivado de direitos creditórios contra a União, os Estados, os municípios, as fundações, as autarquias e as empresas públicas ou de economia mista6;
Ativo derivado de direitos creditórios, inclusive oriundos de títulos de crédito, contratos particulares, promessas e expectativas de direito, quando objeto de processo judicial, administrativo ou arbitral7;
Sobre a delimitação dos ativos que se enquadram nestas regulações específicas, é importante observar que, sobre os créditos contra os entes públicos da primeira hipótese, não há a exigência de se estar em processo judicial e, estando, não existe qualquer direcionamento sobre a condição de liquidez.

Com essa leitura, à primeira vista, poderiam/deveriam ser objeto deste regramento todo e qualquer direito creditório em face dos entes públicos, inclusive os eventuais direitos creditórios que não sejam objeto de processo judicial ou administrativo, pois essa exigência é feita apenas para os "claims privados". 

Não muito diferente é a aplicabilidade aos direitos creditórios em face de devedores de natureza privada, que possui como exigência adicional ser o direito creditório objeto de processo judicial, administrativo ou arbitral. Ressalta-se que o ativo pode ser composto, inclusive, por promessas ou expectativas de direito, ou seja, casos em que haveria mérito a ser decidido para constituição do direito (crédito) em si.

Feitos esses breves esclarecimentos, o que aqui se visa frisar, de forma suscinta e provocativa, é o regramento específico proposto no PL 03/24 para a alienação destes ativos dentro da falência, pois estão sendo sugeridos procedimentos mais rigorosos do que os aplicáveis para os demais bens. 

A regra geral proposta é no sentido de que tais ativos somente poderão ser alienados pelo valor integral, sendo os "claims públicos" pelo valor de face, sem qualquer desconto8 e os "claims privados" pelo valor atualizado do crédito conforme a última avaliação9.

Apenas por essa disposição já seria possível inferir se tratar de regramento mais rigoroso do que o utilizado para os demais bens, que permite como regra geral a aplicação das 3 chamadas em leilão, sendo na última permitida a alienação do bem por qualquer valor10.

Sem prejuízo da regra geral, existe previsão na proposta para alienação dos direitos creditórios por valor inferior ao valor integral, porém, dependerá essa possibilidade de aprovação de 3/4 dos créditos em valor e dos credores em número presentes em assembleia geral de credores. 

Essa exigência é mais rígida do que aquela aplicável à forma alternativa de alienação de ativos de forma geral, seja na legislação vigente, que é de voto favorável de credores que representem 2/3 dos créditos presentes à assembleia11, ou na própria proposta de alteração do PL 03/2412, que prevê voto favorável de credores que representem mais da metade dos créditos em valor e a maioria numérica dos credores.

Ainda que nesse último caso não haja menção sobre se contabilizar apenas os credores presentes em assembleia, não se pode ignorar o rigor revelado na aprovação para alienação dos direitos creditórios por valor inferior ao da avaliação.

Remeter essa deliberação à Assembleia Geral de Credores por si só parece ser medida desarrazoada e contraproducente em relação ao intuito de se conferir agilidade e eficiência na alienação dos ativos na falência. Exigir um quórum de 3/4, então, é incompreensível.

Vale trazer destaque, ainda, para o fato de que, para os direitos creditórios em face de ente público (claims públicos), para alienação por valor inferior ao de face, além da assembleia nos termos postos acima, seria necessário ainda que o valor arrecadado bastasse para liquidação total do passivo da falência, seja porque suficiente, seja porque os credores concederiam a quitação dos seus próprios créditos à massa falida. Mais uma exigência que à primeira vista se mostra na contramão do instituto.

Existe previsão de algumas medidas que aparentemente seriam positivas para suavizar o rigor dessas regras postas acima, como é o caso da previsão específica de possibilidade de cessão dos referidos direitos creditórios aos próprios credores da massa falida, por valor aceito em assembleia geral de credores. Aqui já parece ir a redação a outro extremo, que igualmente pode gerar efeitos negativos.

A cessão dos referidos direitos creditórios aos próprios credores da massa falida, por valor aceito em assembleia geral de credores, sem que haja qualquer referência à avaliação ou processo competitivo, poderá gerar grande debate, especialmente com a falida, uma vez que esta possui grande interesse da alienação dos bens pelo maior valor possível, já que a ela é destinado eventual saldo após quitação do passivo da massa13.

Essa regra, aparentemente positiva, talvez mereça uma mais profunda reflexão para que não passe, posteriormente, a produzir efeitos absolutamente opostos em relação à sua boa intenção. 

De qualquer maneira, o regramento expressamente "positivo" acaba nessa hipótese de cessão aos credores, pois, para o claim público, por exemplo, mesmo para essa condição seria preciso deduzir todas as dívidas de qualquer natureza existentes perante os mesmos entes devedores dos referidos créditos. 

Em outras palavras, para os direitos creditórios em face de entes públicos, antes de se permitir a cessão aos credores deve ser realizada uma compensação de créditos, de forma que seja cedido apenas o "saldo líquido" aos credores. Em uma análise bem direta, fica evidente que aqui se pretendeu dar uma preferência de recebimento aos credores públicos, que em algumas hipóteses acabarão por "furar a fila" de preferências dentro da falência.

De qualquer maneira, o fato é que disciplinar de maneira mais rígida a alienação de legal claims indica um passo avesso à modernização do instituto falimentar, pois burocratiza e engessa ainda mais o que se busca ser ágil e eficiente.

Não se pode ignorar que os direitos creditórios são hoje fonte de grande competição e interesse de centenas de investidores profissionais, o que permite que o próprio mercado revele as condições reais de valor deste tipo de ativo dentro dos processos de falência que, hoje, são muito monitorados por estes players. Conforme estimativa da Deloitte, em 2025 o volume de transações de aquisição de NPL deve chegar a R$ 37,5 bilhões14.

Desta maneira, ao invés de travar as alienações com regra de alienação por valor de face/avaliação e deliberações em assembleias gerais de credores, viabilizar que outros institutos pudessem ganhar mais espaço talvez faça mais sentido para a esfera da insolvência.

O melhor tratamento de institutos como o stalking horse, por exemplo, para este tipo de ativo poderia ser mais benéfico do que os apresentados na atual proposta legislativa. Igualmente, formas que possam dar maior publicidade e direcionamento para a alienação destes ativos certamente trariam maior segurança e mais resultado do que a deliberação em assembleia geral de credores.

Trava de valor e deliberações em assembleia para a venda deste tipo de ativo, como a ocorrida nos autos da falência do BANCO BVA15, que teve a alienação concretizada e frutífera, podem até funcionar, porém, a chance de efetividade não parece ser grande quando se leva em conta que a própria lei hoje permite a venda por qualquer valor em 3ª chamada em leilão.

III. Conclusão

Diante do cenário colocado, as modificações propostas no PL 03/24 para a alienação dos direitos creditórios nas falências indicam um retrocesso para a venda deste tipo de ativo, seja por desprezar a expertise do mercado na precificação e avaliação destes créditos, que poderia retirar o peso e custo da própria massa falida nesse trabalho, ou mesmo por ir na contramão das modificações recentes da LREF e do instituto em si, que visa, em última análise, maximizar o valor de venda para que seja procedido o efetivo pagamento dos passivos

Embora o trâmite legislativo do PL, por prudência mínima, tenha perdido o seu caráter de urgência, necessário maior debate sobre as alterações propostas, inclusive sobre alternativas mais condizentes com a realidade atual do mercado de direitos creditórios e com a evolução do instituto da falência, que já tem maturidade suficiente para se valer de meios mais arrojados e céleres de alienação de ativos.

_________________

1 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/162994 

2 "Art. 21-A. O gestor fiduciário, que deverá ser profissional idôneo, poderá ser eleito na falência pela assembleia geral de credores e substituirá o administrador judicial por mandato de até 3 (três) anos, contados de sua eleição, possibilitada a recondução por uma única vez, nos termos do § 7º do art. 21 desta Lei.

3 "Seção I-A - Do Plano de Falência 

Art. 82-C. O gestor fiduciário ou, na inexistência deste, o administrador judicial, exceto na hipótese prevista no art. 114-A desta Lei, deverá apresentar, no prazo  e 60 (sessenta) dias, contado da data de assinatura do termo de compromisso, plano de falência com: (...)

4 Excetuando-se os decorrentes da Lei nº 13.988/2020 (Transação de Créditos da Fazenda Pública)

5 (...) III - previsão, no plano de realização dos ativos, das hipóteses em que os bens poderão ser alienados diretamente, a partir da precificação objetiva ou da dispensa de avaliação, ou necessariamente mediante avaliação prévia obrigatória, bem como periodicidade e validade dessa avaliação, no caso de bens sujeitos a oscilações de valor;

6 Art. 82-G. A alienação ou a transação, em juízo ou fora dele, de qualquer ativo derivado de direitos creditórios contra a União, os Estados, os Municípios, as fundações, as autarquias e as empresas públicas ou de economia mista somente poderão ser realizadas na falência sob as seguintes condições: (...)

7 Art. 82-H. A alienação ou a transação, em juízo ou fora dele, de qualquer ativo derivado de direitos creditórios, inclusive oriundos de títulos de crédito, contratos particulares, promessas e expectativas de direito, quando objeto de processo judicial, administrativo ou arbitral, somente poderão ser realizadas na falência sob as seguintes condições: (...)

8 Art. 82-G(...)

I - pelo valor de face, sem qualquer desconto; ou

9 Art. 82-H (...)

I - pelo valor atualizado do crédito conforme a última avaliação, que não poderá ter ocorrido há mais de 2 (dois) anos da data da proposta; ou

10 Art. 142. A alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades:

(...)

§ 3º-A. A alienação por leilão eletrônico, presencial ou híbrido dar-se-á:

I - em primeira chamada, no mínimo pelo valor de avaliação do bem;

II - em segunda chamada, dentro de 15 (quinze) dias, contados da primeira chamada, por no mínimo 50% (cinquenta por cento) do valor de avaliação; e   

III - em terceira chamada, dentro de 15 (quinze) dias, contados da segunda chamada, por qualquer preço.

11 Art. 46. A aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência, prevista no art. 145 desta Lei, dependerá do voto favorável de credores que representem 2/3 (dois terços) dos créditos presentes à assembleia.

12 PL 03/2024: "Art. 46. As deliberações sobre a aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência, prevista no caput do art. 145 desta Lei, dependerão do voto favorável de credores que representem mais da metade dos créditos em valor e a maioria numérica dos credores."

13 Art. 153. Pagos todos os credores, o saldo, se houver, será entregue ao falido. (essa disposição não sofre alteração pela redação atual do PL 03/24)

14 https://www.deloitte.com/br/pt/services/financial-advisory/research/pesquisa-mercado-cessao-creditos.html 

15 processo no. 1087670-65.2014.8.26.0100

 

 

Fonte: Migalhas.

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