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06-12-2024
Alcance do efeito suspensivo no artigo 17 da Lei 11.101/2005: da impugnação do crédito
A Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência de empresários e sociedades empresárias, estabelece no artigo 17 o cabimento de agravo contra a decisão judicial [1] que julga a impugnação de crédito [2], desde que seja interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público [3], como parte ou fiscal da ordem jurídica [4].
O parágrafo único do referido artigo confere ao relator a possibilidade de atribuir efeito suspensivo a essa decisão, com a finalidade específica de ajustar a inscrição ou a classificação do crédito no quadro-geral de credores, exclusivamente para o exercício do direito de voto em assembleia-geral.
Esse detalhamento no texto legal indica que o legislador buscou limitar a aplicação do efeito suspensivo, vinculando-o a situações que impactem diretamente as deliberações coletivas na assembleia geral [5]. Essa restrição é coerente com os princípios fundamentais da recuperação judicial, como a preservação da empresa, a função social e o estímulo à cooperação entre devedor e credores (artigo 47 da Lei 11.101/2005).
Recurso aplicável acerca da impugnação de créditos
O legislador optou pelo agravo como instrumento processual adequado para a revisão das decisões judiciais no caso tratado pelo artigo 17 da Lei 11.101/2005 [6]. Os credores que já constam da lista são intimados pessoalmente para apresentar suas divergências e, não o fazendo, haveria preclusão administrativa da matéria da discordância [7], pois podemos ter a manifestação judicial [8].
Essa escolha foi fundamentada na necessidade de maior celeridade, uma vez que o agravo não demanda o envio integral dos autos à instância superior, além de não acarretar, como regra geral, a suspensão dos efeitos da decisão recorrida.
A previsão expressa da lei para o uso do agravo na impugnação judicial tem levado a jurisprudência a considerar inaplicável o princípio da fungibilidade recursal quando se interpõe recurso diverso, como a apelação, sob o entendimento de que tal ato configuraria erro grosseiro, dado o comando expresso do legislador. [9]
A legislação falimentar prevê que o agravo seja submetido diretamente ao relator, que decidirá sobre os efeitos do recurso. Esse procedimento se alinha perfeitamente ao modelo do agravo de instrumento, reforçando sua adequação ao tratamento de decisões incidentais no processo de recuperação judicial e falência. Assim, a sistemática processual reafirma a necessidade de observância ao formato do agravo de instrumento, afastando interpretações que admitam outras modalidades recursais para a reanálise das decisões previstas no artigo 17 da Lei 11.101/2005.
O efeito suspensivo e o direito dos credores
A principal finalidade da possibilidade de suspensão está relacionada à segurança jurídica na formação do quadro-geral de credores. Esse instrumento processual garante que o direito de voto em assembleia seja exercido com base em informações corretas quanto ao valor, classificação ou existência do crédito [10]. Assim, evita-se que uma decisão contestada produza efeitos imediatos que possam desequilibrar a votação e, consequentemente, comprometer o plano de recuperação ou mesmo o pagamento dos credores. [11]
Marcelo Sacramone afirma que:
O recurso de agravo de instrumento não terá, em regra, efeito suspensivo, o que significa que ele não impedirá a eficácia da decisão (art. 995 do CPC/2015). Contudo, do mesmo modo que estabelecida a possibilidade no CPC/2015 (art. 1.019), a Lei n. 11.101 permitiu ao relator do recurso de agravo a concessão de efeito suspensivo ao recurso, de modo a suspender o reconhecimento do crédito.
Além do efeito suspensivo, poderá o relator conceder efeito ativo ao agravo de instrumento para determinar, ainda que provisoriamente até o julgamento do recurso, a inscrição ou modificação do valor do crédito impugnado ou de sua classificação no quadro-geral de credores. Esse efeito ativo permitirá que o credor possa exercer seu direito de voto na Assembleia Geral de Credores.
No entanto, o efeito suspensivo concedido pelo relator não se destina a interferir no momento ou na forma de pagamento de créditos previamente reconhecidos [12]. A Lei 11.101/2005 não confere suporte para tal interpretação, uma vez que o pagamento de créditos segue cronogramas e diretrizes fixadas no plano de recuperação aprovado em assembleia, ou, no caso de falência, na ordem de preferência prevista nos artigos 83 e 84 da legislação.
Distinção entre o direito ao voto e o direito ao pagamento
A decisão sobre a impugnação de crédito pode envolver aspectos técnicos e controvérsias legítimas quanto ao valor, natureza ou classificação do crédito. No entanto, essas discussões, mesmo quando pendentes de julgamento definitivo, não devem ser confundidas com o direito ao recebimento dos valores reconhecidos judicialmente. [13]
A LREF, disciplina que:
Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias.
§ 1º Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas deliberações da assembleia-geral de credores.
§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo ao processo de falência, salvo se, na data da realização da assembleia-geral, já houver sido homologado o quadro-geral de credores contendo o crédito retardatário.
O efeito suspensivo, ao se limitar ao exercício do voto [14], atua como uma garantia procedimental no contexto da assembleia-geral, protegendo a integridade das deliberações coletivas [15]. Permitir sua aplicação para suspender o pagamento dos créditos reconhecidos seria desvirtuar o propósito do artigo 17 e criar insegurança jurídica para credores que têm o direito assegurado ao recebimento, especialmente em casos onde a impugnação não altera substancialmente a natureza ou prioridade do crédito.
Implicações práticas e o equilíbrio do processo
A interpretação restritiva do efeito suspensivo fundamenta-se no princípio do equilíbrio entre devedor e credores, essencial para o sucesso da recuperação judicial. Este instituto visa, de forma simultânea, à preservação da atividade empresarial e à garantia de um tratamento justo e proporcional aos interesses dos credores.
Suspender o pagamento de créditos com base em discussões ainda pendentes em grau de recurso comprometeria esse equilíbrio, gerando incertezas que podem prejudicar não apenas a recuperação da empresa, mas também a confiança dos credores no sistema jurídico. No contexto do processo de falência, tal cenário poderia ainda agravar a situação, desestimulando potenciais investidores ou interessados em adquirir os ativos da massa falida, enfraquecendo assim a capacidade de satisfazer os credores e de fomentar a reorganização econômica.
Conclusão
Com base na análise da Lei 11.101/2005, conclui-se que o efeito suspensivo previsto no artigo 17 é limitado ao contexto específico do direito de voto em assembleia-geral de credores. Essa interpretação é essencial para assegurar a funcionalidade do processo de recuperação judicial e proteger os direitos dos credores, respeitando a ordem de pagamento estabelecida na legislação.
Portanto, decisões que reconhecem créditos ou determinam seu pagamento não podem ser afetadas por efeito suspensivo, salvo no que diz respeito à sua participação em assembleia-geral. A interpretação em sentido diverso seria incompatível com o objetivo do instituto, comprometeria a segurança jurídica e enfraqueceria a efetividade dos processos de recuperação judicial e falência.
Dessa forma, a interpretação restritiva do efeito suspensivo é essencial para preservar o equilíbrio entre devedores e credores, especialmente no que tange ao impacto direto sobre o processo de falência. Nesse contexto, a suspensão deve ser aplicada prioritariamente em situações relacionadas à deliberação em assembleia-geral de credores, onde a proteção do interesse coletivo prevalece.
No caso do pagamento de créditos, porém, especialmente aqueles vinculados à falência, a aplicação do efeito suspensivo seria inadequada, pois atrasaria a satisfação dos credores e agravaria a situação da massa falida. Assim, ao vincular a questão dos pagamentos ao processo falimentar, busca-se assegurar a liquidez necessária para o cumprimento das obrigações e a maximização dos recursos disponíveis para os credores.
[1] Há divergência acerca da natureza da decisão judicial. AQUINO, Leonardo Gomes de. Recuperação de Empresas em Tabelas. Belo Horizonte: Editora Expert. 2024. Disponível em: https://experteditora.com.br/recuperacao-de-empresas-em-tabelas/ Acesso em Acesso em: 28 nov. 2024.
[2] Na impugnação, há ação judicial, com partes diversas, pedido e causa de pedir autônomos ao processo principal de falência ou recuperação judicial. Como o procedimento permite a cognição exauriente e o amplo exercício do contraditório, a decisão que dirimir o mérito da ação de impugnação judicial será considerada sentença e permitirá também a formação de coisa julgada material. SACRAMONE, Marcelo B. Comentários À Lei de Recuperação de Empresas e Falência – 5ª Edição 2024. 5th ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. p.110. ISBN 9788553621552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553621552/. Acesso em: 27 nov. 2024.
[3] Ayoub; Cavalli. A construção jurisprudencial…, p. 212
[4] Como parte vencida, compreende-se qualquer daqueles que figuraram na impugnação judicial e que foram sucumbentes, ainda que parcialmente. São eles o credor, o devedor, o Comitê de Credores e o administrador judicial. O terceiro prejudicado é aquele que poderá sofrer os efeitos da decisão, embora não tenha figurado no feito. É o caso do cessionário do crédito, a que a Lei atribui o direito de promover o recurso caso possa ter seus interesses prejudicados. SACRAMONE, Marcelo B. Comentários À Lei de Recuperação de Empresas e Falência – 5ª Edição 2024. 5th ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. p.110. ISBN 9788553621552. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553621552/. Acesso em: 27 nov. 2024.
[5] AQUINO, Leonardo Gomes de. Recuperação de Empresas em Tabelas. Belo Horizonte: Editora Expert. 2024. Disponível em: https://experteditora.com.br/recuperacao-de-empresas-em-tabelas/ Acesso em Acesso em: 28 nov. 2024.
[6] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2006, v. 4, p. 169; CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 107; VASCONCELOS, Ronaldo. Direito processual falimentar. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 258.
[7] Manoel Justino Bezerra Filho, Bernardo Pimentel e Fábio Ulhoa Coelho afirmam que essa impugnação em relação ao próprio crédito só será possível se o credor apresentou sua divergência tempestivamente. Os credores que já constam da lista são intimados pessoalmente para apresentar suas divergências e, não o fazendo, haveria preclusão da matéria da discordância
[8] TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial – Falência e Recuperação de Empresa Vol.3 – 12ª Edição 2024. 12th ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. p.193. ISBN 9788553621026. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553621026/. Acesso em: 28 nov. 2024.
[9] Nesse sentido: TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apel. 1000148-44.2022.8.26.0415, rel. des. J. B. Franco de Godoi, j. 28-7-2022; TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apel. 0053850-52.2013.8.26.0506, rel. Des. Ricardo Negrão, j. 24-2-2022.
[10] Ver: TJRS, AI 70072150956, Des. Ney Wiedemann Neto (decisão monocrática), j. 15/12/2016.
[11] SCALZILLI, João P.; SPINELLI, Luis F.; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005. 4th ed. São Paulo: Grupo Almedina, 2023. E-book. p.369. ISBN 9786556277950. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786556277950/. Acesso em: 28 nov. 2024.
[12] AQUINO, Leonardo Gomes de. Recuperação de Empresas em Tabelas. Belo Horizonte: Editora Expert. 2024. Disponível em: https://experteditora.com.br/recuperacao-de-empresas-em-tabelas/ Acesso em Acesso em: 28 nov. 2024.
[13] AQUINO, Leonardo Gomes de. Recuperação de Empresas em Tabelas. Belo Horizonte: Editora Expert. 2024. Disponível em: https://experteditora.com.br/recuperacao-de-empresas-em-tabelas/ Acesso em Acesso em: 28 nov. 2024.
[14] “Os credores com impugnações retardatárias perderão o direito de voto até o seu julgamento definitivo, na linha do que dispõe o art. 10 da Lei n. 11.101/2005. Outrossim, sem prejuízo da reserva de valores, os primeiros pagamentos serão efetuados apenas após o julgamento das impugnações tempestivas que, portanto, terão prioridade no julgamento e acabarão recebendo antes”. TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial – Falência e Recuperação de Empresa Vol.3 – 12ª Edição 2024. 12th ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. p.193. ISBN 9788553621026. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553621026/. Acesso em: 28 nov. 2024.
[15] Estar devidamente habilitado, ou seja, integrar a relação de credores vigente à época da assembleia (TJSP. AI 0328576-81.2010.8.26.0000).
Fonte: Conjur.