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15-07-2025
Afinal, é possível se opor ao plano de recuperação já aprovado?
A lição que fica é clara: A recuperação judicial não é um rito estanque. É dinâmica, negocial, e acima de tudo, dialógica.
Um detalhe muitas vezes esquecido da nova lei de recuperação judicial pode ser justamente aquele que garante um último suspiro ao contraditório: o § 3º do art. 56-A da lei 11.101/05 introduziu, de forma ainda silenciosa, a possibilidade de uma segunda objeção ao plano de recuperação judicial - agora já aprovado em AGC - Assembleia Geral de Credores.
O dispositivo ganhou notoriedade pela primeira parte, que trata da dispensa da AGC mediante a apresentação de termos de adesão tempestivos assinados pelos credores. Mas o que talvez nem todos tenham recebido a mesma atenção é sua função como um verdadeiro mecanismo corretivo, oferecendo uma nova oportunidade de objeção após a deliberação coletiva, nos moldes de um remédio processual destinado a proteger o devido processo legal no ambiente das insolvências.
Metamorfose Kafkiana: Do PRJ apresentado ao PRJ aprovado
Quem acompanha a prática da recuperação judicial sabe que há um abismo - jurídico e negocial - entre o plano originalmente apresentado e aquele que, meses depois, recebe o aval da maioria dos credores em AGC. O devedor dispõe do prazo improrrogável de 60 dias, contados da decisão que defere o processamento da recuperação, para apresentar sua proposta de reestruturação (art. 53 da LREF).
Essa proposta é submetida à análise de legalidade do administrador judicial (art. 22, II, "h" da LREF) e, em seguida, aos credores, que têm 30 dias para apresentar objeções (art. 55 da LREF).
Contudo, o tempo e as dinâmicas negociais fazem o plano mudar - e muito. Em nome do consenso, aditivos são apresentados, concessões são feitas, e até mesmo durante o ato da Assembleia novas cláusulas podem surgir. Resultado? Um plano aprovado que, em muitas situações, é bem distinto daquele originalmente impugnado pelos credores.
A praxe forense, quase por instinto de autoproteção do sistema, recomendou que o administrador judicial elaborasse um segundo parecer de legalidade sobre o plano consolidado, abrigado sob a sombra do art. 22, II, "h", da LREF. Ainda assim, por mais que esse relatório traga um verniz de legalidade ao texto consolidado, não restitui aos credores o palco do contraditório pleno que lhes foi garantido na aurora do processo.
Foi justamente nesse vácuo - entre o silêncio da lei e a inquietação da prática - que germinou, ainda antes da lei 14.112/20, a chamada "fase de oposição" ao plano de recuperação aprovado. Como relembra Fábio Ulhoa Coelho1, os credores vencidos na AGC passaram a protocolar petições pontuais, requerendo a invalidação de cláusulas específicas do plano. E como muitos desses pleitos encontraram eco no Judiciário, acabou por se consolidar, nas dobras da jurisprudência, uma etapa procedimental até então inexistente na letra da lei: a impugnação pós-aprovação.
Vale lembrar que, até mesmo os recursos interpostos contra a decisão de homologação do plano enfrentavam - e ainda enfrentam - limitações de escopo. Isso porque a homologação, por sua natureza, representa um controle judicial de legalidade, e não de mérito econômico. Assim, as insurgências contra cláusulas substanciais do plano acabavam, muitas vezes, escoando por vias atípicas e fragmentadas, sem canal processual específico.
Com o advento do § 3º do art. 56-A, essa etapa deixa de ser um puro construto da prática e passa a contar com uma ancoragem normativa - ainda que sutil. O dispositivo, ao admitir a manifestação dos credores após a AGC, abre margem para a contestação formal de ilegalidades eventualmente presentes no plano já aprovado, reforçando os pilares do contraditório e da legalidade no encerramento do procedimento.
Contudo, a lei é clara quanto aos fundamentos cabíveis para essa oposição pós-AGC: (i.) Inobservância do quórum legal de aprovação; (ii.) Descumprimento do procedimento previsto na lei; (iii.) Irregularidades nos termos de adesão; e, (iv.) Ilegalidades ou irregularidades no conteúdo do plano.
Apesar da redação taxativa, a interpretação é ampla. Tais hipóteses permitem a análise tanto de aspectos materiais quanto processuais - desde vícios de forma até afrontas a direitos fundamentais dos credores, sempre guiados pelos princípios estruturantes da LREF: a preservação da empresa viável e a proteção dos interesses da coletividade de credores.
Como bem aponta Otávio Joaquim Rodrigues Filho2, a oposição pode, inclusive, ser manejada por credores não sujeitos ao processo concursal, mas que sejam impactados por atos de disposição previstos no plano. Nesses casos, a objeção preventiva serviria como instrumento de proteção, coibindo medidas que possam esvaziar garantias ou inviabilizar o cumprimento de obrigações extraconcursais.
É preciso, contudo, que esse instrumento seja manejado com parcimônia. A objeção não pode servir como subterfúgio para retardar a homologação judicial ou para reabrir discussões já superadas no curso do procedimento. Tampouco se justifica quando não houver alterações substanciais entre o plano originalmente apresentado e aquele aprovado - pois, nesse caso, o contraditório já foi plenamente exercido nos termos do art. 55 da LREF.
Não se trata, portanto, de uma nova chance para tentar derrubar o plano por simples inconformismo. Mas sim de um mecanismo técnico, pautado em legalidade, voltado à proteção dos fundamentos constitucionais do processo, com a marca da atipicidade própria dos direitos de ação.
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1 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de falências e de recuperação de empresas livro eletrônico / Fábio Ulhoa Coelho. - 5. ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
2 RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. O controle de legalidade no processo de recuperação judicial (Limites entre a autonomia da vontade e o poder jurisdicional) / Otávio Joaquim Rodrigues Filho - 1ª Ed. - Belo Horizonte, São Paulo: D'Plácido, 2023.
Fonte: Migalhas.