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27-08-2025 

Aditivo de plano de recuperação extrajudicial: Uma alternativa ou uma impossibilidade?

Um breve estudo de um mecanismo não previsto em lei, mas consagrado nos princípios contratuais, que pode ser uma alternativa eficaz para evitar uma recuperação judicial para empresas com sucesso prévio em recuperação extrajudicial.

Com o avanço dos processos de reestruturação no Brasil, nota-se um relevante aumento no número de recuperações extrajudiciais que foram distribuídas. O volume de dívidas abrangidas em recuperações extrajudiciais superou a marca de R$ 37,4 bilhões em 2024 e apenas no início de 2025 já foram ajuizadas 23 novas recuperações extrajudiciais até o mês de maio deste ano, segundo dados do OBRE - Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial.

Sem entrar no mérito das diferenças formais entre os procedimentos de recuperação judicial e extrajudicial, é premissa que deve ser ponderada, para a melhor compreensão da reflexão que o presente artigo propõe, que uma recuperação extrajudicial é - muito - mais célere quando em comparação com a recuperação judicial, seja porque, entre outros motivos, (i) o PRE - plano de recuperação extrajudicial já é apresentado logo no início, com a adesão da maioria dos créditos abrangidos ou ao menos do equivalente a 1/3 de apoio dos credores abrangidos com possibilidade de se buscar maior quórum de adesão nos 90 dias subsequentes, na forma do art. 163, § 7º da lei 11.101/05 ("LFRE") e (ii) inexiste previsão legal de qualquer período de fiscalização do cumprimento das obrigações que sejam estabelecidas no plano de recuperação extrajudicial.

Tal como o plano de recuperação judicial, o PRE, quando apresentado com a adesão da maioria dos créditos contidos, tem natureza contratual e impositiva, vinculando todos os credores que sejam abrangidos aos seus efeitos (LFRE, art. 163). Assim como todo e qualquer contrato, não se pode perder de vista os requisitos intrínsecos para a regular constituição do negócio jurídico, especialmente boa-fé, autonomia da vontade, pacta sunt servanda e função social do contrato, consagrados no CC nos arts. 113, 187, 421 e outros.

O professor Marlon Tomazette ensina, sobre a recuperação extrajudicial, que "(...) trata-se de um acordo firmado extrajudicialmente entre o devedor e seus credores com o objetivo de superação da crise econômico-financeira, levado apenas eventualmente à homologação pelo Poder Judiciário. O objetivo e a natureza são os mesmos da recuperação judicial, vale dizer, trata-se de um contrato para superação da crise, mas sua realização é mais simples e mais prática, uma vez que a intervenção do Poder Judiciário é eventual e meramente homologatória. Trata-se de algo muito similar ao prepackaged plan do direito norte-americano e ao acuerdo preventivo extrajudicial do direito argentino. A existência dessa recuperação extrajudicial não prejudica outras modalidades de acordo entre o devedor e seus credores (lei 11.101/05 - art. 167)."1

Os processos de reestruturação, que se assemelham em certos aspectos ao concurso de credores que existe em falências, consagram a vontade da maioria para vincular a todos os credores e o motivo parece ser estruturalmente racional: seria praticamente impossível admitir que os devedores pudessem alcançar a unanimidade para repactuação das dívidas com todos os seus credores. Na prática, o processo de renegociação individualizada com os credores levaria à probabilidade - quase que afirmativa - de que alguns credores conseguiriam condições mais benéficas que outros, ainda que detenham a mesma natureza e mesmas características da operação que lastreia o crédito, que é justamente o que os processos de reestruturação buscam evitar quando a LFRE consagra como um dos princípios basilares o tratamento igualitário de credores.

É seguro dizer, portanto, que os planos de recuperação judicial ou extrajudicial conferem segurança jurídica aos envolvidos, mesmo para os credores dissidentes, que, inclusive, terão oportunidade de apresentar suas eventuais objeções no momento oportuno (LFRE, art. 55), sendo objeto de análise pelo juízo competente no momento processual comumente chamado "controle de legalidade".

Em sendo instrumentos com segurança jurídica tanto aos devedores como aos credores, não é incomum que as dívidas reestruturadas sejam alongadas em prazos extensos que, muitas vezes, estendem-se por anos - e até mesmo décadas em alguns casos. As negociações das dívidas partem da análise econômico-financeira das empresas, incluindo a projeção dos resultados financeiros ao longo do tempo, como forma de se atestar a viabilidade de soerguimento da companhia devedora para pagamento da dívida.

As projeções, no entanto, e como o próprio nome já sugere, traduzem-se exatamente como uma estimativa e previsão da performance da companhia devedora, podendo ser alterada por uma série de fatores internos (v.g. gestão, planos de negócio, captação de novos recursos e investimentos) como externos (mercado de atuação, custo de insumos e matéria-prima, inflação, entre outros). E nem sempre as projeções se concretizam: não é por acaso que o próprio CC, em seus arts. 478 a 480, previu a possibilidade de resolução do contrato diferido ou de execução continuada por onerosidade excessiva, justamente por ser uma situação que não poderia ser previsto no momento da celebração do contrato. 

Convém esclarecer que, em relação à judicialidade do instituto da recuperação extrajudicial, os professores João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea2 ensinam que seu regime jurídico pressupõe uma etapa judicial, evidenciada na exigência de sua apresentação ao juízo competente para homologação: 

"Em razão disso, partindo-se de uma lógica comparativa com o procedimento de recuperação judicial, pode-se afirmar que em ambos há efetiva participação do Poder Judiciário, mas, na recuperação extrajudicial, essa participação tem menor intensidade, pois está circunscrita basicamente à homologação do plano. 

Assim, apesar do adjetivo "extrajudicial" compor a expressão que designa o instituto, tem-se, na verdade, uma recuperação do tipo "menos judicial", por meio da qual o Poder Judiciário é chamado apenas para chancelar um acordo extrajudicialmente negociado entre as partes (devedor e credores), em contraposição à recuperação do tipo "mais judicial" (a recuperação judicial, nos termos da LREF)."3

Algumas vantagens do instituto da recuperação extrajudicial, naturalmente em comparação com a recuperação judicial, são destacadas na doutrina como "(i) a flexibilidade; (ii) a simplificação dos quóruns; (iii) a celeridade; (iv) o menor custo; (v) o menor desgaste de imagem; (vi) a menor intervenção; e (vii) o baixo risco. 

Uma das principais vantagens do novo regime é a sua flexibilidade, evidenciada a partir da desnecessidade de englobar todos os credores no processo de negociação. As partes possuem, ainda, ampla liberdade na negociação do conteúdo do plano. Ademais, o quórum necessário para a aprovação do pedido de homologação do plano na modalidade impositiva, que foi reduzido pela reforma de 2020, é mais simples em relação ao de aprovação do plano de recuperação judicial."4

Nesse contexto, e sem qualquer novidade na prática de reestruturação até aqui, os planos de recuperação, sejam eles judiciais ou extrajudiciais, também estão sujeitos à necessidade de ajuste por eventual situação que pode afetar os resultados da companhia devedora e comprometer os pagamentos aos credores. Mesmo não sendo expressamente permitido na LFRE, diversos devedores submetem aditivos aos planos de recuperação judicial previamente aprovados e homologados judicialmente para alterar o fluxo original negociado e, desde que seja aprovado pelo mesmo quórum de credores exigido pelo art. 45 da LFRE em assembleia geral de credores, os aditivos são comumente homologados por via legal no âmbito de processos de recuperações judiciais.

Ainda que a jurisprudência evidencie um cenário de aceitação judicial da propositura de aditivos aos planos de recuperações judiciais, tal situação ainda não é costumeira com recuperações extrajudiciais. A possibilidade de um aditivo ao plano de recuperação extrajudicial, especialmente em atenção às vantagens que podem ser extraídas desse instituto, pode ser uma estratégia muito eficaz para que se evite o ajuizamento de uma recuperação judicial, já que a companhia devedora estaria impedida de requerer uma nova recuperação extrajudicial pelo prazo de 2 anos contados a partir da homologação judicial do primeiro plano de recuperação extrajudicial, por força do art. 161, § 3º da LFRE.

Por um aspecto de pressupostos jurídicos do instrumento, um aditivo de plano de recuperação extrajudicial parte dos mesmos princípios contratuais em comparação com o aditivo de plano de recuperação judicial, já que ambos possuem a mesma natureza contratual; a grande diferença está no aspecto processual, já que a recuperação judicial é um processo que se alonga no tempo (até o decurso do prazo do biênio legal de fiscalização, nos termos do art. 61 da LFRE), justificando, assim, a competência do juízo em que tramita por igual período, ao passo que a recuperação extrajudicial se encerra imediatamente após a homologação judicial do plano, podendo-se cogitar o esgotamento da prestação jurisdicional deste juízo após a prolação da sentença de mérito homologatória, por exegese do art. 494 CPC. 

Se assim entendido, não haveria possibilidade de submissão de um aditivo de plano de recuperação extrajudicial após a sua homologação, já que a competência teria se esgotado.

A exceção prevista no art. 505, inc. I do CPC, no entanto, parece ser aplicável para, ao menos, justificar a competência e a prestação jurisdicional que pode ser estendida para os eventuais casos de aditivo de plano de recuperação extrajudicial, somado com o princípio da preservação da empresa, que é supremo em reestruturações (LFRE, art. 47).

A coisa julgada, nesse contexto, não deveria impedir um novo ajuste consensual, sob a égide do princípio da autonomia da vontade, até mesmo porque exigir a propositura de uma nova ação representaria uma injustificável violação aos princípios da economia processual, da celeridade e da razoável duração do processo.

O único caso conhecido que envolveu a tentativa de homologação de um aditivo de plano de recuperação extrajudicial, até o momento, é o da empresa Amaro Ltda., varejista de roupas femininas que teve seu plano de recuperação extrajudicial homologado em setembro de 2023 e, em dezembro de 2024, protocolou o respectivo aditivo comprovando a adesão de mais da metade dos créditos abrangidos, tal como exigido pela LFRE. Em que pese os requisitos teóricos terem sido preenchidos em termos de aceitação dos credores para ter seu aditivo igualmente homologado e vincular os credores abrangidos às novas regras, o MM. juízo da 1ª vara de falências e recuperações judiciais da comarca de São Paulo/SP rejeitou o pedido sob fundamentação de não preenchimento de condições de prosseguimento, sobretudo destacando 3 argumentos: (i) a recuperação extrajudicial já foi encerrada; (ii) ainda que se admitisse que o silêncio da LFRE na permissão expressa de aditamento a planos de recuperações extrajudiciais não seja um impeditivo, por equiparação aos processos de recuperação judicial somente caberia o aditamento até o encerramento do processo, que no caso ocorre com sentença de homologação judicial; e (iii) não há previsão expressa de aditamento após a sentença de homologação no PRE originalmente aprovado e validado judicialmente.

É compreensível a fundamentação trazida na decisão em comento, embora seja possível admitir, em nossa opinião, que não houve o esgotamento da prestação jurisdicional mesmo com a homologação judicial, sendo que a consequência objetiva que este posicionamento traz é que o ajuizamento de uma recuperação judicial passa a ser o único caminho viável para companhias se reestruturarem uma vez que tenham enfrentado uma recuperação extrajudicial e que, por qualquer motivo dentro do período de 2 anos após a homologação judicial, necessitem de um ajuste diante da falta de condições em cumprir o PRE originalmente homologado.

Ademais, a recuperação judicial, além de naturalmente já ser um processo mais longo, também é um processo mais caro à devedora, que enfrenta custos mais elevados neste ambiente do que quando está-se diante de uma recuperação extrajudicial, além dos impactos muito mais agressivos em termos de imagem da marca, especialmente em se tratando de operações comerciais que lidam com consumidores finais (vendas "B2C - Business to Consumer", que são as transações comerciais realizadas diretamente entre uma empresa e o consumidor final) e a provável escassez de oferta de crédito.

Pela ótica do credor, o desdobramento da impossibilidade de homologação do aditivo de PRE ser o ajuizamento de uma recuperação judicial igualmente pode ser desvantajoso, uma vez que pode ser conferido à devedora uma proteção adicional incompatível com a própria estratégia de recuperação de crédito, como a impossibilidade de execução de determinadas garantias - ou minimamente a maior dificuldade em se efetivar atos expropriatórios.

Diante disso, em se tratando de aditivos de PRE, a sua admissão apenas até o momento da sua homologação judicial parece não ser suficiente para acomodar as possíveis necessidades e interesses entre devedores e credores de revisões das condições comerciais em virtude do dinamismo das situações econômicas e, ainda, pela própria incompatibilidade do prazo mais célere entre o protocolo da recuperação extrajudicial e a homologação judicial do PRE vis a vis a impossibilidade de ajuizamento de uma nova recuperação extrajudicial nos 2 anos consecutivos após a homologação. 

Considerando-se processos que, pela sistemática da LFRE, valorizam a vontade da maioria (i.e., exigência de quórum da maior parte para aprovação de plano de recuperação judicial e PRE, igualmente), e para evitar a única alternativa já prevista legalmente pela LFRE que é o ajuizamento de uma recuperação judicial, nos parece razoável admitir que, em o devedor apresentando a adesão da maioria dos credores abrangidos, de acordo com o art. 163 da LFRE e em prol da preservação da empresa (LFRE, art. 47), a admissão de um aditivo ao plano de recuperação mesmo após a homologação da versão original, e desde que atingido o quórum legal exigido, é uma alternativa mais eficaz, rápida e econômica aos devedores e credores. 

Fica clara, portanto, a lacuna legal e a consequente controvérsia em torno da admissibilidade de um aditivo ao plano de recuperação extrajudicial após sua homologação judicial. A relevância deste debate se acentua ao se considerar a agilidade, o menor custo e o menor desgaste de imagem que o plano de recuperação extrajudicial oferece em comparação com a recuperação judicial, elementos cruciais para a sobrevivência e soerguimento das empresas em dificuldades financeiras, conforme o primordial princípio da preservação da empresa.

A impossibilidade de aditar um plano de recuperação extrajudicial já homologado, especialmente dentro do prazo de dois anos que impede a propositura de um novo pedido de homologação, não apenas onera o devedor, podendo forçá-lo a um processo mais complexo e dispendioso como a recuperação judicial, como também pode ser desfavorável aos próprios credores que teriam seus créditos reestruturados em um ambiente de maior instabilidade e incerteza, além de mais longo em termos temporais. Assim, a admissão de um aditivo, desde que observados os quóruns legais e os princípios de transparência e paridade, parece representar uma alternativa mais ágil, eficaz e econômica.

______________

1 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial-falência e Recuperação de Empresas - Vol.3 - 13ª Edição 2025. Rio de Janeiro: SRV, 2024, p. 283.

2 SCALZILLI, João P.; SPINELLI, Luis F.; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005, 4ª Edição. São Paulo. Grupo Almedina, 2023.

3 Ibid., p. 920.

4 Ibid., p. 923.

 

 

Fonte: Migalhas.

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