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31-05-2021 

A venda de UPI na recuperação judicial e o passivo ambiental

A Lei nº 11.101/05, no seu capítulo III, seção I, traz as disposições gerais sobre o procedimento de soerguimento da empresa e, especificamente no artigo 50, uma relação de meios para o empresário promover a aludida recuperação da empresa em situação de crise, sendo um desses meios o trespasse de unidade produtiva isolada (UPI), previsto no inciso VII do artigo 50.

Sobre referida alienação, em sua redação original o artigo 60, parágrafo único, da Lei nº 11.101/05 possuía o seguinte teor: "O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no §1º do artigo 141 desta lei".

Por conta dos termos genéricos da norma, grande controvérsia surgia na doutrina e na jurisprudência acerca dos limites da isenção da responsabilidade do adquirente da UPI, de modo que, visando a trazer maior segurança jurídica, a Lei nº 14.112/20 alterou a redação do aludido dispositivo, o qual passou a constar, em síntese, que "o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista".

Da leitura do dispositivo observa-se que a isenção de responsabilidade do adquirente da UPI é extremamente abrangente.

Contudo, entendemos que não é por meio de uma interpretação meramente literal que se pode extrair o conteúdo dessa norma. Necessária uma leitura conjunta desse dispositivo com toda a ordem jurídica, e até mesmo com a Constituição Federal, fundamento de validade de toda norma infraconstitucional.

Propormos neste artigo, especificamente, uma leitura acerca da isenção da responsabilidade do adquirente da UPI pelas obrigações de natureza ambiental, e aqui entendemos que a norma deva sofrer uma interpretação restritiva

Consoante os termos da nossa Constituição Federal, "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (artigo 225, §3º).

Do aludido comando extrai-se que a violação às normas ambientais, com a geração de degradação ao meio ambiente, importa na tríplice responsabilidade ao poluidor, representada pelas responsabilidades penal, administrativa e civil.

Consagrou o constituinte o denominado princípio da reparação integral ao meio ambiente, de modo que o poluidor deve responder pelos atos lesivos às normas ambientais, com a imposição cumulativa de sanções repressivas (penal e administrativa) e reparadoras (civil).

Parece certo que o adquirente da UPI não se torna responsável pelas sanções repressivas, ante a necessidade de se observar o princípio da pessoalidade da sanção, inerente ao Direito sancionador, tanto no âmbito penal quanto no âmbito administrativo. Apenas aqui entendemos que há isenção do adquirente da UPI, por meio da aplicação do novo parágrafo único, do artigo 60, da Lei nº 11.101/05.

Por outro lado, a responsabilidade, por meio da reparação civil do dano ambiental, pelo adquirente da UPI, parece-nos inafastável.

Isto porque a Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, trata o meio ambiente como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, a revelar a evidente indisponibilidade desse bem, de titularidade difusa. Para além do caráter indisponível, impôs o constituinte, ao poder público e à coletividade, o dever de defender o meio ambiente, e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações, a demonstrar a natureza solidaria e objetiva da responsabilidade civil ambiental.

Consoante os ensinamentos de Ricardo Cintra Torres de Carvalho, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, "a obrigação mais relevante no Direito Ambiental é a de fazer ou não fazer, pois diretamente ligada à preservação da natureza: recompor, restaurar, não degradar. Essa é a obrigação propter rem em sua essência, pois envolve uma prestação pessoal do titular do direito real em prol da coisa em si (...). A obrigação adere à propriedade, à sua função social, e transita (ambulat) de titular para titular, de modo que cada um a seu tempo deve prestá-la ainda que não tenha sido o autor da degradação".

Frente ao quadro supra, admitir uma interpretação literal do novo dispositivo, sem a filtragem constitucional proposta, com a exclusão da responsabilidade civil ambiental do adquirente da UPI, levaria a resultados derrogatórios incabíveis, em especial diante de normas de direito ambiental, que possuem caráter cogente.

Com isso, a título de exemplos, se uma UPI, localizada em área rural, não destina a porcentagem legal para fins de reserva legal, por uma interpretação literal chegar-se-ia à conclusão de que o adquirente da unidade não necessita implementar a reserva legal; ou, se uma UPI não preserva APP, em área sujeita a deslizamento, pondo em risco a saúde e a vida de residentes locais, chegar-se-ia à conclusão de que o adquirente da UPI não seria responsável pela implementação da APP; ou ainda, se uma UPI descarta resíduos em rio, que fornece água à população de um município, pela interpretação literal chegar-se-ia à conclusão de que aludida poluição pode ser perpetrada pelo adquirente da unidade.

São exemplos que evidenciam a importância da tutela civil do meio ambiente, a fundamentar o "caráter não derrogatório da responsabilidade civil ambiental do adquirente da UPI", consoante normas constitucionais, inclusive. São exemplos que devem ser apresentados para demonstrar e ilustrar que a degradação ambiental é uma das mais graves violações aos direitos individuais, na medida em que geram graves danos, de dimensão coletiva ou difusa.

Definitivamente, entendemos que não cabe isenção dessa responsabilidade civil, sob o pretexto de otimizar soerguimento da empresa.

Empresa que viola gravemente os direitos fundamentais não é uma empresa viável, na medida em que não atende à sua função social. Para além disso, proteger essa violação à legislação redunda numa importante quebra de isonomia, na medida que apenas o adquirente da UPI estaria afastado da responsabilidade de atender às exigências normativas ambientais, que geram maiores custos às empresas concorrentes.

Nesse contexto de reparação civil do dano ambiental vislumbramos apenas duas alternativas: 1) considera-se, antes da alienação, na avaliação da UPI, o passivo ambiental existente, com repercussão no preço de arrematação, tendo em vista a responsabilidade solidária e objetiva do arrematante; ou 2) sendo a violação às normas ambientais de grandes proporções, que torna o bem economicamente desinteressante na alienação, e não tendo a empresa outros meios de soerguimento, deve-se decretar a quebra, com a responsabilização subsidiária do Estado na recomposição do passivo ambiental, quando insuficiente ativo arrecadado.

Desse modo, entendemos que o novo parágrafo único do artigo 60 da Lei nº 11.101/05, com redação dada pela Lei nº 14.112/20, deve sofrer uma interpretação restritiva quanto à responsabilidade do adquirente de UPI pelas obrigações de natureza ambiental, para atribuir-lhe o "caráter não derrogatório da responsabilidade civil ambiental do adquirente da UPI", na medida em que o meio ambiente é bem jurídico indisponível, de natureza difusa, tutelado por normas cogentes, sendo imposta, pelo constituinte, a responsabilidade objetiva e solidária para a sua preservação e reparação, obrigação esta que acompanha o bem (propter rem).

Fonte: ConJur

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