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24-10-2023 

A tutela de urgência do § 1º do artigo 20-B da Lei 11.101/2005

A reforma da Lei 11.101/2005 operada pela Lei 14.112/2020 trouxe, dentre outras alterações, o incentivo à mediação e à conciliação como mecanismos para solução dos conflitos entre credores e devedores.

Não é por outra razão que o artigo 20-A expressamente determina que os métodos não adjudicados de solução de conflitos deverão ser incentivados não somente pelo juízo de primeiro grau competente para a recuperação judicial, mas também pelos tribunais, inclusive os superiores, possibilitando inclusive a suspensão do processo caso haja consenso entre as partes.

Dentro desse espírito, a reforma legislativa criou a possibilidade da mediação ou conciliação antecedente ao próprio pedido de recuperação judicial, isto é, a possibilidade da devedora provocar a instauração de painéis de solução de conflitos junto aos credores de modo a evitar o ajuizamento da recuperação judicial.

Paralelamente, a Lei 11.101/2005 passou a prever a possibilidade do juiz conceder tutela de urgência de modo a suspender o andamento das execuções em face do devedor pelo prazo de até 60 dias, desde que demonstrada a presença dos requisitos legais para futuro pedido de recuperação judicial e o risco de dano irreparável ou difícil reparação.

O dispositivo traz, no entanto, algumas questões que devem ser dirimidas.

A primeira delas refere-se ao alcance da norma. Com efeito, o novo artigo 20-B traz quatro incisos acerca da possibilidade da mediação antecedente ou incidental. Todavia, o parágrafo primeiro do mesmo artigo, ao regular a possibilidade da tutela de urgência, somente se reporta ao inciso IV. Com isso, nos parece claro que a intenção do dispositivo foi restringir seu cabimento de fato às hipóteses do inciso IV, não podendo ser dada uma interpretação extensiva à norma. Afinal, se a intenção da lei fosse permitir a tutela de urgência do parágrafo primeiro para todas as hipóteses elencadas, bastaria omitir qualquer referência aos seus incisos; ao caminhar em direção oposta, nos parece claro que a intenção do legislador foi de restringir sua aplicação ao inciso IV.

A partir daí, surge uma questão interessante: essa opção legislativa subtrai do julgador a possibilidade de conceder tutelas de urgência no tocante as hipóteses descritas nos demais incisos?

A resposta nos parece negativa.

A Constituição no inciso XXXV do artigo 5º prevê expressamente a inafastabilidade da tutela jurisdicional, isto é, todo aquele que entende que seu direito foi lesado ou ameaçado pode requerer a tutela jurisdicional do Estado. De há muito a doutrina e jurisprudência se pacificaram no sentido de que essa garantia constitucional não se limita às tutelas cognitivas e satisfativas, mas também às cautelares. Ou seja, mesmo que a lei tenha regulado uma cautelar típica para a hipótese do inciso IV do artigo 20-B, é inequívoco que as demais hipóteses devem ser protegidas pelo manto constitucional.

Se não bastasse isso, o § 12 do artigo 6º da Lei 11.101/2005 prevê uma norma geral segundo a qual é admitida a antecipação total ou parcial dos efeitos do deferimento da recuperação judicial. Ou seja, embora o § 1º do artigo 20-B tenha limitado a concessão da tutela de urgência nele regulada à hipótese do inciso IV, a regra geral é aplicável a todas as hipóteses e, por consequência, protege os casos descritos nos demais incisos.

Isso significa que a norma geral torna inútil ou dispensável a regra do § 1º do artigo 20-B? A resposta é não. Na verdade, o § 1º cria um cautelar típica para a hipótese ali prevista, o que não exclui o poder geral de cautela do magistrado (expressamente previsto no § 12 do artigo 6º). Assim, na hipótese do inciso IV e desde que preenchidos os requisitos legais o juiz pode conceder uma tutela de urgência para suspender as execuções pelo prazo de 60 dias, enquanto pelo § 12 do artigo 6º o pedido de recuperação judicial deve ser protocolado em 30 dias, se a tutela de urgência concedida for acautelatória, e 15 dias, se for antecipatória, como determinam, respectivamente, os artigos 308 e 303, § 1º, inciso I, ambos do Código de Processo Civil.

Assim, a primeira conclusão é que todas as hipóteses descritas nos incisos do artigo 20-B podem ser protegidas por tutelas de urgência, lastreado numa cautelar típica ou com fundamento no poder geral de cautela.

Todavia, uma segunda questão deve ser enfrentada.

Como dito, a hipótese descrita no inciso IV do artigo 20-B tem a tutela de urgência regulada pelo seu § 1º, cautelar típica. E daí surge o problema. A tutela de urgência descrita no § 1º tem por objetivo exclusivo a suspensão das execuções em face do devedor, sendo vedado ao intérprete, no nosso entender, dar uma interpretação extensiva à norma se a situação de ameaça ou lesão a direito depender de outra modalidade de proteção acautelatória.

A tutela prevista no dispositivo é exclusivamente para suspender execuções. Daí vem a indagação: na hipótese do inciso IV, a regra do § 1º traduz a impossibilidade do juiz se valer do poder geral de cautelar para proteger eventual direito ameaçado ou lesado?

A resposta é negativa pelos motivos constitucional e legal, acima expostos. O devedor que pretende a mediação no caso do inciso IV, caso necessite de uma tutela de urgência, que não a suspensão das execuções pelo prazo de 60 dias, pode, com base na garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, e na regra do § 12 do artigo 6º pleitear a tutela de urgência acautelatória ou antecipatória. Todavia, nessa hipótese não terá o benefício dos 60 dias de suspensão, mas somente 30 dias (se for uma tutela cautelar) e 15 dias (se for antecipatória).

E temos a terceira e última indagação. E se for necessária a cumulação de pedidos de tutela de urgência? Isto é, se o devedor precisar da suspensão das execuções, mas também de outra tutela cautelar? Evidente que a cumulação de pedidos é possível e, desde que preenchidos os requisitos legais, pode ser concedida, pela aplicação do artigo 327 do Código de Processo Civil ainda que sejam incompatíveis entre si (cumulação subsidiária ou alternativa).

Aliás, esse mesmo dispositivo acaba por solucionar a questão do prazo para eventualmente ajuizar a recuperação judicial. Os 60 dias devem ser considerados uma regra específica para uma única hipótese (suspensão das execuções); em caso de cumulação, o procedimento deve ser o comum, ou seja, o prazo deve ser aquele aplicável ao poder geral de cautela, isto é, 30 dias (artigo 308, CPC).

Desta maneira, conclui-se que a intenção do legislador em matéria de recuperação judicial jamais foi a de restringir ou impedir a garantia constitucional às tutelas de urgência através do poder geral de cautela do juiz, mas a previsão de uma cautelar típica para suspensão das execuções contra a devedora na hipótese do inciso IV do artigo 20-B somente traduz a necessária proteção por instrumentos procedimentais distintos e harmonicamente coexistentes.

 

Fonte: Conjur.

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