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05-12-2019 

A perícia (constatação) prévia nas varas especializadas

Fábio Dias de Almeida e Gerson João Borelli

A perícia (constatação) prévia, pois a mesma deve verificar apenas e tão somente a possibilidade da empresa em continuar, naquele momento, com sua função social.

O presente artigo não busca exaurir o tema acerca da constatação prévia, apenas e tão somente demonstrar a sua possibilidade de utilização perante os procedimentos recuperacionais, objetivando o soerguimento das empresas com um procedimento inicial com mais base em sua formação.

Pois bem, antes de entrar no mérito do cabimento da constatação prévia, faz-se mister trazer à baila informações iniciais de sua origem.

Assim, importante mencionar que, tendo em vista o grande números de demandas recuperacionais, objetivando a recuperação judicial e a falência das empresas, no ano de 2005, foram criadas em São Paulo 2 (duas) Varas Especializadas.

Naquele momento os responsáveis por gerir os processos eram os juízes Alexandre Alves Lazzarini e Caio Marcelo Mendes de Oliveira, aplicando desde sua posse a nova lei de Recuperação Judicial e Falência, intitulada lei 11.101/05.

Em uma das suas primeiras atuações nas varas especializadas, no ano de 2005, o magistrado se deparou com o processo que envolvia a antiga empresa VASP, a qual estava sob intervenção da Justiça do Trabalho.

Nos referidos autos o juiz determinou, em caráter de exceção, a realização de uma análise inicial, a fim de verificar se a documentação apresentada, a qual envolvia a empresa recuperanda, estava em conformidade com a legislação vigente.

O juiz ainda ponderou que tal verificação não tinha o escopo de constatar a viabilidade da empresa, mas apenas e tão somente averiguar a veracidade e parcial adequação da documentação apresentada, o que foi de pronto realizada.

Não se tratava, a bem da verdade, da perícia prévia que hoje está perfeitamente inserida no contexto da Lei de Recuperação Judicial e Falências, mas pode-se dizer que o procedimento adotado naquele momento foi o que mais se aproximou daquele instituto.

Seja como for, a falência da VASP já dava mostras de que havia a necessidade de criação de um procedimento específico, visando verificar a regularidade da documentação apresentada pela empresa recuperanda.

Dito isto, tem-se que, no ano de 2011, o Juiz Daniel Carnio, após aprofundados estudos sobre a Lei de Recuperação Judicial e Falências e, ainda, após ter se deparado com algumas situações de fraude durante sua atuação processual (empresas que pediam a recuperação judicial mas que, em verdade, sequer tinham atividade comercial),  criou o instituto da perícia prévia.

Ponderou o magistrado em alusão sobre a necessidade de criação de um procedimento específico que se prestasse a constatar se as empresas que requeriam a recuperação judicial estavam aptas ao processo recuperacional do ponto de vista documental, cuja análise deveria ser feita por profissionais especializados (contadores, administradores, economistas, etc.), sem prejuízo de ser realizada a constatação efetiva da existência das atividades operacionais das empresas, na medida em que a finalidade da lei não é estabelecer melhores condições de pagamento ao devedor mas, sim, a recuperação efetiva daquela empresa que está passando por uma crise mas que, à toda evidência, é viável no sentido econômico e social.

Com efeito, a identificação da real situação da empresa em crise é de suma importância para iniciar o procedimento recuperacional, na medida em que a aplicação equivocada do instituto da recuperação judicial acarreta em diversos prejuízos aos credores, para a sociedade e todas as atividades relacionadas, tais como o pagamento de tributos, a formalização de empregos, contratos com empresas, dentre outras. Em resumo, somente se deve aceitar o processamento de uma recuperação judicial que traga benefícios econômicos e sociais ao devedor, aos credores e à sociedade, em última análise.

Pelo procedimento da perícia prévia, estabelecido pela 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, é possível constatar, em uma visita realizada pelo Administrador Judicial na sede de empresa recuperanda, se a mesma está regularmente constituída no local descrito na petição inicial, se gera empregos, se circulam produtos e serviços em suas dependências.

Resta evidente que, se for realizada a constatação prévia e presencial nas dependências da empresa, assim como com a análise da documentação encartada na petição inicial por profissional especializado e de confiança do juízo, o magistrado terá maiores condições para deferir o processamento da recuperação judicial, permitindo, dessa forma, o inicio do stay, com mais elementos que não seriam trazidos senão pela realização da perícia prévia.

A perícia prévia ainda evita pedidos de recuperação judicial com intuito fraudulento contra seus credores, evitando, dessa forma, um processamento e continuidade de um processo recuperacional nocivo para todos.

Veja que não há motivos para iniciar o procedimento recuperacional quando não se tem ao menos indícios de possibilidade de soerguimento da empresa. Para empresas em situação de completa insolvência e falta de atividade, o melhor remédio não é a recuperação judicial, mas sim a falência.

O que se pode afirmar, portanto, é que a perícia prévia tem um caráter híbrido de perícia e constatação, de natureza preliminar, e que será realizada por pessoa nomeada pelo juízo com conhecimentos técnicos específicos.

Pela experiência da 1ª vara de Recuperação e Falência de São Paulo, na pessoa do magistrado Daniel Carnio, consolidou-se a perícia prévia que se norteia por cinco princípios, também inseridos no projeto de lei 10.220/18 apresentado pelo Governo Federal:

a)    A preservação da empresa;

b)    O fomento ao crédito;

c)    O incentivo à aplicação produtiva dos recursos econômicos ao empreendedorismo e ao rápido recomeço;

d) A instituição de mecanismos legais que evitem um indesejado comportamento estratégico dos participantes da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência que redundem em prejuízo social e

e)    Melhoria do arcabouço institucional.

Repise-se, com base nessas premissas, que o intento do magistrado Daniel Carnio, já encampado pela Jurisprudência Pátria, tem por escopo verificar a função social da empresa, objetivando dar continuidade à atividade economicamente viável que possa ser preservada, gerando empregos, pagamento de tributos e demais fatores sociais que possam ser mantidos com o instituto recuperacional.

Tal ferramenta deve ser utilizada pelo magistrado a fim de possibilitar uma melhor análise e compreensão dos fatos, situação, documentação e viabilidade de manter a função social da empresa, preservando a sua atividade.

Pela experiência da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, verificou-se ser mais frutífera a nomeação como administrador judicial do mesmo profissional que realizará a constatação prévia.

Ao nomear o próprio Administrador Judicial, o valor de sua remuneração já será redistribuído em sua remuneração, no decorrer da sua administração processual e, em caso de não prosseguimento do processo recuperacional, o próprio magistrado arbitrará os honorários para a recuperanda quitar.

Nomeando o perito o procedimento ocorrerá dentro do prazo de cinco dias, tendo em vista a urgência no tema, pois o deferimento do procedimento recuperacional é uma das decisões mais importantes no processo.

Ainda com relação às experiências da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências de São Paulo, realizada a constatação prévia, pode-se verificar quatro situações: a) não há atividade empresarial; b) documentação irregular com a petição inicial; c) fraude e d) incompetência funcional do juízo.

Para corroborar com o entendimento da benesses trazidas pela utilização  da constatação prévia, ficou comprovado pelos estudos apresentados pelo Núcleo de Pesquisa da PUC/SP que o índice de indeferimento da petição inicial na 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo é de, aproximadamente, 30%, enquanto o indeferimento da petição inicial na 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo é de 40%, caindo por terra de que a possibilidade da utilização da constatação prévia dificulta o acesso à Justiça.

Deve-se ter em mente que a aplicação da constatação prévia garante que a utilização do procedimento recuperacional será utilizado apenas por empresas que possuam condições de eventual soerguimento, ou seja, possibilitará que as empresas em crise iniciem sua recuperação judicial com uma utilização inicial útil do processo.

Ainda, 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo obteve um sucesso de 81,7%, em processos que tiveram o deferimento do seu processamento após a realização da constatação prévia, após seus dois anos de fiscalização.

Ainda para corroborar o entendimento da possibilidade da utilização da perícia prévia, segue entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Pedido de processamento. Determinação de realização de perícia prévia, para auxiliar o juízo na apreciação da documentação contábil (art. 51 II LRF) e constatar a real situação de funcionamento da empresa. Possibilidade. Decisão mantida. Assistência técnica de perito permitida pela lei. Juiz que não dispõe de conhecimentos técnicos suficientes para apreciar a regularidade da documentação contábil apresentada. art. 189 LRF c/c art. 145 CPC. Com relação à constatação da real situação de funcionamento da empresa, não pode o julgador mostrar-se indiferente diante de um caso concreto, em que haja elementos robustos a apontar a inviabilidade da recuperação ou mesmo a utilização indevida e abusiva da benesse legal. O princípio da preservação da empresa não deve ser tratado como valor absoluto, mas sim aplicado com bom senso e razoabilidade, modulado conforme a intenção do legislador e espírito da lei. Ativismo. Precedentes. Decisão de deferimento do processamento que irradia importantes efeitos na esfera jurídica de terceiros. Decisão integralmente mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. Recuso desprovido.

(Agravo de instrumento 0194436-42.2012.8.26.0000 – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – TJ/SP)

Portanto, o que verificamos nos dias atuais é a possibilidade da utilização da perícia prévia, sendo amplamente adotada pela doutrina, jurisprudência, e, com o novo projeto de lei, pela nossa legislação Pátria.

Os fundamentos para adoção da perícia (constatação) prévia

A fim de se evitar o nascimento de um processo recuperacional natimorto, alguns magistrados entendem pela aplicação da perícia prévia antes do deferimento do processamento do processo recuperacional, evitando assim maiores despesas à sociedade.

A ideia da perícia prévia é constatar se o procedimento recuperacional é o caminho ideal à empresa recuperanda, pois o que se busca no procedimento da recuperação é a viabilidade da empresa.

Portanto, podemos aduzir que há certos requisitos para verificar a possibilidade de deferir a perícia prévia, devendo primeiramente, ser realizada a verificação na documentação apresentada junto à petição inicial.

Neste mesmo momento o juízo também deve analisar se possui ou não condições para deferir o processamento da Recuperação Judicial sem se socorrer ao auxílio de profissionais especializados, a fim de também analisar se se a documentação apresentada, atrelada à condição financeira da empresa, está apta.

Resta evidente que a decisão de processamento da Recuperação Judicial é uma das decisões mais importantes do processo, pois permite a suspensão das ações promovidas em face da Recuperanda, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.

Por isso, caso o juiz não detenha conhecimentos específicos sobre o tema, a análise prévia deve ser realizada por profissional com conhecimentos específicos, capazes de verificar a documentação apresentada e informar ao juízo se a concessão do processamento é medida necessária à empresa.

Ainda, a perícia prévia também poderá constatar se a empresa recuperanda está exercendo as suas atividades empresariais, se está gerando empregos, e demais atividades pertinentes, pois o instituto da recuperação busca manter a função social da empresa.

Importante destacar que o deferimento da recuperação judicial sem a real verificação de admissibilidade da documentação ou de sua real atividade acarreta em prejuízos à sociedade e aos credores, pois em um futuro certo poderão ter seu plano indeferido ou a convolação em falência, uma vez que a documentação apresentada pela empresa poderá ser indevidamente juntada na petição inicial.

Ademais, tal decisão poderá permitir o deferimento de uma recuperação judicial com mais chances de êxito, pois o pedido inicial já estaria abarcado pela documentação necessária e essencial para seu deferimento.

Ressalte-se que em muitas vezes o juiz não possui conhecimentos especializados sobre contabilidade e administração de empesas para analisar a documentação, sendo extremamente necessária sua avaliação por profissional especializado, pois os efeitos do stay period são severos para os credores e uma análise superficial, com base na documentação, não permitirá ao juízo verificar se a empresa está exercendo sua função social.

Conclusão da viabilidade da perícia (constatação) prévia

Em nosso entendimento plenamente cabível a perícia (constatação) prévia, pois a mesma deve verificar apenas e tão somente a possibilidade da empresa em continuar, naquele momento, com sua função social, ou seja, manter empregos, pagar tributos, produzir bens e serviços para se vale do procedimento recuperacional.

Ainda, a perícia (constatação)  prévia apenas verificará se a empresa realmente existe, se está no local informado na petição inicial, se há trabalhadores no local, se há venda de bens, compra de produtos, qual a relação com a vizinhança, se está contratando com outras empresas, ou seja, se está realmente exercendo sua atividade econômica.

Isto porque, se for uma empresa inexistente, que não gere trabalho, que não pague imposto, por qual motivo o Estado deve iniciar um procedimento pelo qual não gerará nenhum benefício?

Por outro lado, se a atividade realmente existe, constatada pela perícia (constatação) prévia, o Estado deve acolher seu pedido e iniciar o procedimento recuperacional com o processamento da recuperação judicial, a fim de possibilitar, posteriormente, a análise de viabilidade econômica pelos credores.

Diante dessa “nova” realidade e com o objetivo em obter melhorias, o Conselho Nacional de Justiça a qual instituiu o Programa Nacional de Modernização da Administração das Varas Especializadas de Falência e Recuperação Judicial, onde redigiu através da sua recomendação de 57 de 22/10/19, em seu artigo 1 o seguinte:

“Art. 1º Recomendar a todos os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento de processos de recuperação empresarial, em vara especializadas ou não, que determinem a constatação das reais condições de funcionamento da empresa requerente, bem como a verificação da completude e da regularidade da documentação apresentada pela devedora/requerente, previamente ao deferimento do processamento da recuperação empresarial, com observância do procedimento estabelecido Recomendação.”

Ante o acima elencado, tem-se que a possibilidade de realização da constatação prévia para auxiliar no deferimento do processamento da Recuperação Judicial é tema de grande importância, pois permitirá analisar se determinada empresa é passível de recuperação, evitando prejuízos a todas as partes. Entretanto, tal possibilidade de sua utilização precisa evoluir a fim de sanar as divergências e unificar o entendimento, tanto no âmbito de estudo doutrinário, quanto em possível decisão futura do Superior Tribunal de Justiça, possibilitando sua utilização nas ações recuperacionais.

______________

Artigo.Com perícia prévia, juiz reduz em 30% número de casos de recuperação judicia.

ALFONSIN:clique aqui

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Lei de Recuperação Judicial e Falência – lei 11.101/05

Projeto de lei 10.220/18

 

Fonte: Migalhas

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