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31-07-2023
A Justiça do Trabalho pretende acabar com a recuperação judicial para crédito de reclamantes mediante despersonalização da PJ
Essas decisões trabalhistas, com todas as vênias, faz lembrar-me de Arnaldo Sussekind quando me dizia: - A lei trabalhista é que foi feita em defesa do trabalhador. A proteção está na Lei e não nas decisões dos magistrados.
Como a existência da recuperação judicial da empresa envolve procedimento da competência do juízo cível, restrito à pessoa jurídica, alguns juízes, desembargadores e Ministros do Tribunal Superior do Trabalho estão fugindo dessa competência, mediante despersonalização da pessoa jurídica dos processos em recuperação judicial, porque então a competência contra as pessoas físicas manteria os processos para execução na Justiça do Trabalho.
Vejam o acórdão no RR 10688-20.2018.0016, 2ª Turma do TST, relator Ministro José Roberto Freire Pimenta:
"Recurso regido pelo CPC/2015, pela instruição normativa 40/16 do TST e pela lei 13.467/17, competência para julgar a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade pessoal de sócios de sociedade falida. A jurisprudência desta Corte adota o entendimento segundo o qual o redirecionamento da execução contra os sócios da empresa falida ou em recuperação judicial não afasta a competência da Justiça do Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido."
Também acórdão de decisão de 3.10.2018, relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, segue a mesma orientação que diz ser o entendimento da mais alta Corte Trabalhista:
"Competência da Justiça do Trabalho. Empresa em recuperação judicial. Redirecionamento da execução contra o patrimônio dos sócios. O TST firmou o entendimento de que é possível o redirecionamento da execução ao patrimônio dos sócios da empresa falida ou em recuperação judicial, hipótese em que subsistirá a competência da Justiça do Trabalho para processar os atos executórios, à medida que eventual constrição não recairá sobre bens da empresa, a atrair a competência do Juizo universal..."
No mesmo sentido existem acórdãos dos Tribunais Regionais, como no Processo 0024172-40.2019.5.24.0036, TRT da 24ª Região, relator Francisco das Chagas Lima Filho, além de diversas decisões das Varas Federais do Trabalho.
Parece-me ser inacreditável como a Justiça do Trabalho busca, sempre de forma inteligente, fundamentos que quebram institutos criados para defender os credores em todo o país, sejam empregados ou não, com o objetivo de dar ao empregado, hipossuficiente, direitos decorrentes de soluções criadas para fugir ao que o sistema legislativo nacional apresenta.
Vejam, a legislação que rege a recuperação judicial, ou falência, criou uma oportunidade para empresas que correm o risco de não pagar nada a seus credores, (aí incluído os empregados), de apresentarem um plano de pagamento para todos, plano homologado judicialmente e devidamente seguido por um Juiz da Vara Civil , que indica um interventor e que rege essa recuperação de forma geral para pagamento de todos os credores.
Ora, como existe a figura da despersonalização da pessoa jurídica, a Justiça do Trabalho entende que esse instituto foi feito para ela dar uma fuga aos empregados a fim de receberem o crédito , independentemente de qualquer prova do desvio de finalidade da sociedade , ou confusão patrimonial entre o patrimônio dos sócios e o da sociedade empresária.
Sabe-se que a despersonalização da personalidade jurídica legalmente é possível em casos de abuso ou de manipulação fraudulenta, quando o credor lesado deve ter seu crédito quitado com o patrimônio pessoal dos sócios da empresa.
Evidentemente que esse instituto não se aplica na Justiça do Trabalho em caso de recuperação judicial, simplesmente porque quem está dirigindo a empresa com o objetivo de pagar todos os credores e não só os reclamantes, não são os sócios da empresa, mas o interventor judicial, seguindo a fiscalização do Juiz competente , sendo o objetivo da recuperação o pagamento dos credores, em termos gerais.
Vamos imaginar que todos os débitos da empresa em recuperação judicial fossem da competência da Justiça do Trabalho em decorrência da despersonalização da pessoa jurídica, e que fossem pagos, em sua integralidade, pelos sócios da mesma.
É claro que haveria uma quebra do instituto da recuperação judicial, com prejuízo para todos os demais credores e pagamento para os reclamantes feitos por sócios que não fraudaram nem manipularam de forma fraudulenta a empresa mas, ao contrário, procuraram a Justiça para cumprir com um plano que a lei lhes concede com a finalidade de pagar o que devem.
Em algumas decisões da Justiça do Trabalho, citam os magistrados o artigo 28 da LEI DO ONSUMIDOR que afirma que também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".
Esquecem, porém, de ler o parágrafo único do artigo 2º da referida Lei pelo qual - EQUIPARA-SE AO CONSUMIDOR A COLETIVIDADE DE PESSOAS, AINDA QUE INDETERMINÁVEIS, QUE HAJA INTERVINDO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO, ou seja, a Lei do consumidor como não poderia deixar de ser, dá preferência à coletividade frente ao direito individual.
A instauração de IDPJ contra sócios na Justiça do Trabalho claramente tumultua o planejamento de pagamentos do plano, que é pensado e aprovado de modo a conferir tratamento isonômico aos credores.
A lei 11.101/05 estabelece critérios de competência funcional absoluta, portanto irrevogável e, conforme expressa a jurista Carolina Tupinambá, em acréscimo a estudo por mim apresentado (e mail de 26.7.2023 enviado à Academia Brasileira de Direito do Trabalho),
"Os trabalhadores já detêm direito de preferência ao recebimento de seus créditos. Permitir a execução de sócios por uma mesma dívida, já habilitada no plano de recuperação, significa escalonar a vantagem concedida pelo legislador a determinada classe de credores, criando extrema defasagem isonômica.
O plano de recuperação judicial acarreta a novação das obrigações , e se os sócios forem executados na Justiça do Trabalho, poderão sê-lo, eventualmente, por dívida que fora modificada no Juízo universal."Por outro lado, o artigo 6º da Lei 11.101/2005, veda a atribuição de responsabilidade a terceiros em decorrência do mero inadimplemento de obrigações do devedor em recuperação judicial, sendo que o artigo 82 A da Lei 14.112/2020, admite a desconsideração da personalidade jurídica nos casos de recuperação judicial mas somente nas hipóteses do artigo 50 do Código Civil, ou seja, em caos de abuso caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial mediante prática de atos ilícitos.
Por todo o exposto, essas decisões trabalhistas, com todas as vênias, faz lembrar de Arnaldo Sussekind quando ensinava: - A lei trabalhista é que foi feita em defesa do trabalhador. A proteção está na Lei e não nas decisões dos magistrados.
Fonte: Migalhas.