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07-08-2025 

A (in)eficiência da penhora no rosto dos autos na recuperação judicial

Penhora no rosto dos autos na recuperação judicial é juridicamente possível, mas, na prática, é ineficaz, pois a lógica processual prioriza a preservação da empresa e a igualdade entre credores.

A recuperação judicial tem como uma de suas marcas principais a chamada "blindagem patrimonial", que consiste na suspensão das execuções e atos constritivos voltados contra os bens da empresa devedora. Tal mecanismo, previsto no art. 6º da lei 11.101/05, visa assegurar um ambiente de estabilidade temporária, permitindo que a empresa reestruture suas atividades sem o risco de comprometimento do patrimônio necessário à sua operação.

Ainda assim, a blindagem conferida pela recuperação judicial não impede que credores tentem resguardar seus interesses ao longo do processo de soerguimento, sobretudo após o término do stay period. Nessa perspectiva, é comum que recorram à penhora no rosto dos autos, com a finalidade de reservar eventuais valores oriundos de ações judiciais propostas pela própria recuperanda contra terceiros, e.g., execuções ativas, ações de cobrança ou pedidos de indenização.

Sob o ponto de vista jurídico, a penhora no rosto dos autos é admitida no contexto da recuperação judicial, desde que recaia sobre créditos não submetidos ao regime concursal - como os créditos tributários, extraconcursais ou constituídos após o pedido de recuperação. Essa possibilidade encontra respaldo na jurisprudência nacional e é validada por entendimento consolidado do STJ.

A Corte entende que o deferimento do processamento da recuperação judicial, por si só, não tem o condão de suspender as execuções fiscais, conforme dispõe o art. 6º, § 7º, da lei 11.101/05. Todavia, mesmo nesses casos, qualquer pretensão de constrição patrimonial deve ser previamente submetida à análise do juízo da recuperação, de modo a preservar a competência desse juízo para deliberar sobre atos que possam impactar o patrimônio da empresa em soerguimento.

Contudo, embora juridicamente possível, a penhora no rosto dos autos carece de efetividade prática quando inserida no contexto da recuperação judicial. O que à primeira vista parece uma solução viável para resguardar interesses de credores específicos, esbarra nas restrições impostas pela própria lógica do processo recuperacional - que visa preservar a empresa, centralizar decisões e garantir isonomia entre credores.

Assim, talvez seja hora de repensar a aplicação acrítica de uma medida replicada exaustivamente, à luz das reais possibilidades de satisfação do crédito e da função econômica da recuperação judicial.

Possibilidade jurídica vs. (in)eficiência prática do instrumento processual

Conforme muito bem sintetizado na doutrina de Elias Marques de Medeiros Neto1: na execução por quantia certa contra devedor solvente, o credor busca a satisfação de um crédito líquido, certo e exigível, tendo o patrimônio do devedor como principal garantia. A penhora, realizada pelo Estado-Juiz, é o instrumento que viabiliza essa garantia, assegurando a futura recomposição do patrimônio do exequente em caso de inadimplemento.

Ademais, a penhora no rosto dos autos ocorre quando o direito está litigioso, visando garantir bens que possam caber ao devedor futuramente. Ela informa ao juízo da ação principal que o crédito já está penhorado em outro processo, evitando a entrega direta do valor ao vencedor. Contudo, essa penhora é abstrata e depende da decisão final do processo principal: só se concretiza se o devedor for derrotado. Assim, trata-se de um direito incerto, que aguarda sentença transitada em julgado para adquirir eficácia concreta2.

Diante disso, embora admitida legalmente, a penhora no rosto dos autos, apesar de possível, frequentemente não cumpre seu propósito prático e revela-se inadequada no contexto da recuperação judicial.

Isso porque a recuperação judicial não tem como finalidade a arrecadação de bens ou valores, tampouco serve como canal para satisfação de interesses individuais - ao contrário, estrutura-se como um sistema coletivo de superação da crise empresarial, conforme delineado no art. 47 da lei 11.101/05. Nela, os créditos concursais devem ser habilitados e submetidos ao Plano aprovado, respeitando-se o princípio da par conditio creditorum.

Ou seja, a lógica do concurso universal se impõe à satisfação individual dos credores.

Um recente julgado da 5ª Câmara Cível do TJ/RS exemplifica bem essa premissa. No agravo de instrumento 5290420-35.2024.8.21.7000, os desembargadores afastaram a ideia de que o juízo da recuperação judicial funcione como depositário de valores ou administrador de bens para pagamento de credores específicos. Ao contrário, reforçaram seu papel como fiscalizador do cumprimento do Plano aprovado em assembleia.

Segundo a decisão: "o procedimento de recuperação judicial, disciplinado pela lei 11.101/05, possui natureza e finalidade específicas, voltadas à preservação da empresa, à manutenção da fonte produtora e dos empregos, bem como à satisfação dos credores, conforme preconiza o art. 47 da referida lei. Não se trata, portanto, de procedimento destinado à arrecadação de valores ou bens para posterior distribuição a estes credores, como ocorre na falência. O pagamento desses créditos é feito na forma que o plano disciplinar, daí a imperatividade de sua habilitação, se concursais, e a observância da preferência legal, se extraconcursais (149 e 151 da LREF)".

A decisão nos convida a uma reflexão prática: ainda que o credor busque assegurar seu crédito - por exemplo, por meio de penhora no rosto dos autos -, essa iniciativa não pode ser dissociada da lógica própria do processo recuperacional. A preservação do juízo universal e o respeito à sistemática do plano aprovado são pressupostos indispensáveis à estabilidade e à eficácia do soerguimento.

Ao correlacionar esse pensamento aos princípios fundamentais que regem a penhora3, verifica-se que os princípios da suficiência e da utilidade ficam comprometidos diante da natureza complexa e diluída do patrimônio da empresa em recuperação, submetida à lógica do plano aprovado pelos credores e à preservação da atividade econômica. Assim, penhorar valores futuros ou créditos da empresa no próprio processo de recuperação judicial pode não garantir a satisfação efetiva do crédito, configurando uma medida pouco útil.

Enquanto esse equilíbrio não for plenamente compreendido e respeitado, a tentativa de penhora seguirá, na maioria dos casos, como um gesto mais simbólico do que efetivo - juridicamente possível em hipóteses específicas, mas, na prática, ineficaz diante da dinâmica do processo de recuperação judicial.

__________

1 MEDEIROS NETO, Elias Marques de. Empresa devedora e a penhora de percentual de faturamento [recurso eletrônico]: compreendendo o artigo 866 do Código de Processo Civil / Elias Marques de Medeiros Neto. - São Paulo: Expressa, 2021.

2 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Comentários ao código de processo civil - volume XVII (arts. 824 a 875): da execução por quantia certa / Daniel Amorim Assumpção Neves; coordenação de José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

3 Francisco Antonio de Oliveira ensina que os principais princípios que regem a penhora são: (i) o da suficiência, como decorrência do acima referido princípio do resultado, pelo qual a penhora somente deve ser realizada sobre os bens necessários para a satisfação do crédito devido ao exequente, de modo a se evitar penhoras excessivas (art. 831 do CPC/15); (ii) o da utilidade, devendo-se evitar penhoras claramente infrutíferas para a obtenção do resultado pretendido pelo credor (art. 836 do CPC/15); (iii) o da especificidade e o da afetação, pelos quais os bens constritos ficam vinculados ao crédito executado, nos termos do art. 797 do CPC/15; e (iv) o da humanização, buscando-se evitar a realização de penhoras que possam agredir a dignidade da pessoa do devedor, conforme previsões dos arts. 805 e 833 do CPC/15. OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Manual da Penhora. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 54-70.

 

 

Fonte: Migalhas.

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