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18-08-2021 

A exigência de certidão de regularidade fiscal para recuperação é indevida

A Covid-19 vem provocando desastrosos efeitos sobre a economia das empresas em diferentes ramos, em especial sobre o setor de serviços.

Nesse ponto, a crise tem se mostrado bastante igualitária, pois atinge não só os pequenos e médios empreendimentos, como também as grandes empresas, como é o caso da Universidade Cândido Mendes, do Grupo Educação Metodista e do Hotel Maksoud Plaza, que não resistiram e acabaram necessitando se socorrer das vias da recuperação judicial (RJ).

A situação pode ser atestada pelos dados disponibilizados pelo Serasa Experian (1/20 a 5/21), pois de um total de 1,55 mil pedidos de RJ apresentados no período, o setor de serviços lidera o indigesto ranking com um total de 786 pedidos, o que representa mais de 50%.

Sujeitam-se ao plano de soerguimento não só créditos particulares existentes na data do pedido de recuperação judicial como também os créditos tributários, embora estes se diferenciem pelo rito próprio.

As execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Pública, ao contrário dos processos movidos pelos particulares, não são suspensas pelo deferimento da RJ e, assim, o poder público não é desprovido dos meios próprios para cobrança dos créditos de sua titularidade, estando autorizado a requerer a constrição de bens da empresa, competindo ao juízo da RJ o controle das penhoras determinadas em sede de execução fiscal.

O cenário acima, por óbvio, é desafiador no que se refere à negociação do plano de recuperação judicial (PRJ) com os credores privados, considerando a incerteza da disponibilidade, ou não, do patrimônio durante as tratativas.

Além disso, também tornará o processo de RJ ainda mais desafiador o recente entendimento de alguns tribunais que passaram a entender que o devedor deve apresentar, após a juntada do plano devidamente aprovado pela assembleia geral de credores, a certidão negativa de débitos, sob pena de indeferimento do PRJ.

Por muitos anos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) relativizava tal exigência por entender que o devedor não poderia ser responsabilizado pela não apresentação da certidão de regularidade fiscal, uma vez que, à época, inexistia legislação que disciplinasse o parcelamento em sede de recuperação judicial.

Contudo, recentemente sobreveio alteração da legislação com a edição de normas prevendo o parcelamento e a transação tributária dos débitos tributários sob responsabilidade de sociedades empresárias em processo de recuperação judicial.

Nesse sentido, indaga-se, será que essas inovações legislativas são suficientes para exigir que devedor apresente a certidão de regularidade fiscal (CND e/ou CPEN)?

Se realizada uma análise literal da lei que regula a RJ, a conclusão seria positiva. Contudo, não se pode cerrar os olhos para o real contexto fático das empresas que se encontram em recuperação judicial.

Isso porque, quando as sociedades empresárias passam por uma crise, seja ela provocada por condições de gerência deficitária, ou mesmo nos casos alheios ao seu controle (por exemplo pandemia), as obrigações tributárias, devido aos elevados encargos legais (juros e multa), bem como a complexidade do sistema tributário, são as primeiras dívidas que deixam de ser adimplidas pelo devedor.

Exigir-se das empresas a obrigatoriedade de apresentação da CND e/ou CPEN é draconiana, pois coagir indiretamente a empresa para que declare ser devedora da integralidade do passivo tributário mediante a confissão da dívida, seja pelo parcelamento ou transação tributária, como condição para o deferimento do PRJ, não parece ser o meio mais adequado para alcançar-se o seu soerguimento.

A legislação nesse ponto se assemelha ao mito de Dâmocles, com uma espada pendendo sobre a cabeça das empresas, pois se não apresentar a CND e/ou CPEN, a consequência será a sua decretação da falência, ao passo que mesmo confessando ser devedora da integralidade do débito para fins de obtenção da certidão de regularidade fiscal, se não apresenta meios de honrar com o pagamento das prestações do parcelamento e/ou transação, será excluída do referido instrumento e, igualmente, a consequência prática será a falência da empresa.

O STJ, atento às particularidade acima, em julgado datado de junho de 2020, já se pronunciou no sentido de que mesmo após a edição das leis instituidoras do parcelamento e transação para empresas em RJ, a obrigatoriedade de exigir-se a apresentação da CND e/ou CPEN como condição para o deferimento do PRJ não é razoável, tampouco necessária, para os fins de adimplemento da obrigação tributária, pois não só a Fazenda Pública terá dificuldades de receber o seu crédito, como também desvirtua os próprios objetivos e finalidades do processo de recuperação judicial.

Não se está aqui buscando legitimar o inadimplemento das obrigações tributárias, mas, sim, propiciar meios factíveis em que as empresas, em delicadíssima situação financeira, consigam honrar de forma saudável suas obrigações com a Fazenda Pública.

O soerguimento da empresa apenas ocorrerá com a execução do PRJ, pois esse é o instrumento que permitirá a continuidade da atividade empresarial, mediante a geração de empregos, o desenvolvimento econômico do país e, por conseguinte, regularização fiscal do devedor, que em última análise é o próprio objetivo colimado pela Lei de Recuperação Judicial.

Portanto, mesmo após o parcelamento e a transação tributária diferenciada para empresas em recuperação judicial, ainda é indevida a exigência da certidão de regularidade fiscal como condição para o deferimento do plano de recuperação.

Fonte: ConJur

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