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06-12-2024 

A cooperação judiciária na execução de créditos extraconcursais

Em março de 2023, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região e o Tribunal do Trabalho da 6ª Região celebraram termo de cooperação judiciária [1] para tornar mais eficientes as execuções ajuizadas contra empresas em recuperação judicial [2].

Como a blindagem patrimonial, vigente durante o stay period, se restringe a créditos de natureza concursal (LRE, artigo 6°), surgem disputas processuais quanto ao prosseguimento das execuções relativas aos créditos extraconcursais, que não se submetem ao regime recuperacional. Tais conflitos contrapõem, de um lado, os credores extraconcursais que defendem a efetivação de atos constritivos em razão da não sujeição ao plano recuperatório; de outro, a empresa recuperanda a qual sustenta que o pagamento desregrado dos créditos extraconcursais pode comprometer o êxito da própria recuperação judicial.

Nessa sinuca de bico, o TJ-PE, o TRF-5 e o TRT-6 perceberam a necessidade de mecanismos facilitadores da cooperação entre os Juízos de execução individuais e o Juízo recuperatório. Isso porque, de acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça [3], a execução de créditos extraconcursais não pode transcorrer sem a supervisão do Juízo da recuperação judicial devido à produção de impacto patrimonial que põe em risco o soerguimento da empresa.

De maneira a evitar que o STJ seja inundado com conflitos de competência entre juízos de execução individual e o Juízo recuperacional, o referido termo de cooperação criou o “rito do ato concertado de substituição de penhora”, cujas disposições principais estão transcritas a seguir:

3.1) Efetuada a penhora ou outro ato constritivo pelo juízo da execução, a recuperanda será intimada para se manifestar, cabendo-lhe, no mesmo prazo de sua defesa, falar sobre a essencialidade do bem. Não se manifestando a executada no aludido prazo ou manifestando-se sem alegar essencialidade, a execução prosseguirá, sem necessidade de provocação do juízo recuperacional.

3.2) Convencendo-se da essencialidade do bem, o juízo da execução poderá desconstituir a penhora, sem necessidade de provocação do juízo da recuperação judicial.

3.3) Caso mantenha a penhora, deverá o juízo da execução comunicar o juízo da recuperação para os fins do art. 6°, § 7°-B, da Lei 11.101/2005, provocando-o para se manifestar sobre a essencialidade do bem constrito, sem prejuízo de eventual provocação direta do devedor perante o juízo estadual.

3.4) Instado a se manifestar pelo juízo da execução ou pela recuperanda, o juiz da recuperação deliberará sobre a essencialidade do bem, ouvidos previamente a empresa recuperanda, o exequente e o administrador judicial, podendo: (a) manter o ato de constrição, na hipótese de penhora de bem não essencial; ou, cuidando-se de bem essencial: (b) determinar sua substituição por outro bem idôneo; ou (c) excepcionalmente, tornar sem efeito o ato de constrição, tudo buscando o soerguimento da empresa.

Manutenção da penhora

Nota-se que o conceito central para a manutenção da penhora é a ausência de essencialidade do bem. O artigo 3.1 deixa claro que o ônus da prova dessa característica recai sobre a empresa recuperanda. As balizas para tal análise deve ser o artigo 49, § 3º da LRE:

Art. 49.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Esse dispositivo é aplicado para os credores proprietários, os quais também não se sujeitam ao regime da recuperação judicial. Analogamente, o raciocínio da essencialidade é extensível aos credores extraconcursais. Logo, para ser reputado essencial, o bem deve ser classificado como bem de capital, cuja penhora dificultaria a atividade empresarial da recuperanda [4].

No julgamento do REsp 1.629.470-MS [5], a 2ª Seção do STJ, conduzida pelo voto da ministra relatora Isabel Gallotti, definiu um conceito para bem de capital essencial: “Para que o bem se compreenda na ressalva contida no § 3° do art. 49, é imprescindível que se trate de bem corpóreo, na posse direta do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível e nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência, ao final do stay period”. Nesse sentido, conclui: “Em síntese, tenho que, por bem de capital, deve-se compreender aqueles imóveis, máquinas e utensílios necessários à produção”.

Execuções de créditos extraconcursais

Diante dessas considerações, emerge a questão incômoda de que o dinheiro, a despeito de não se enquadrar como bem de capital, também é importante para o exercício da atividade econômica, em especial, para fins de capital de giro. Ou seja, penhoras de grande monta, em execuções de créditos extraconcursais, também afetam a preservação da empresa recuperanda e o cumprimento do plano de recuperação judicial. A aplicação impensada e restritiva do conceito de essencialidade também pode conduzir a injustiças, privilegiando sobremaneira um único credor extraconcursal em detrimento dos demais. Todavia, o ônus da prova do impacto econômico é suportado pela devedora, de sorte que o regime da LRE não se estenda, indiscriminadamente, para os créditos extraconcursais.

Portanto, no rito do ato concertado de substituição de penhora, parece coerente que os Juízos cooperantes restrinjam o conceito de bem essencial apenas para os bens de capital comprovadamente aplicados no processo produtivo da recuperanda. Na hipótese da penhora incidir sobre dinheiro, a análise da essencialidade deve ser ainda mais criteriosa, uma vez que, a priori, não se trata de bem essencial.

As manifestações da recuperanda com alegações genéricas, invocando somente o princípio da preservação da empresa (LRE, artigo 47), não são cabíveis, tendo em vista que o sobrestamento da execução de créditos extraconcursais é excepcional. Do contrário, a blindagem patrimonial se tornaria absoluta, lesando os interesses dos credores e turvando a separação fundamental entre os créditos de natureza concursal e extraconcursal.

 

[1] Tribunal de Justiça de Pernambuco.  Instrução Normativa n° 20, de 12 de junho de 2023. Disponível em: https://portal.tjpe.jus.br/documents/10180/132214/Instrucao-normativa-20.2023.pdf/d4f46521-0b1c-2cb6-befe-08a2e33dcb29. Acesso em: 22 de set. de 2024.

[2] A celebração de termos de cooperação judiciária está fundamentada no art. 69 do CPC/2015, transcrito abaixo:

Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:

§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para:

IV – a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;

[3]  Brasil. Superior Tribunal de Justiça,  AgInt no CC 177181 RJ, Rel. Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 25/10/2022, DJe 17/11/2022; Brasil. Superior Tribunal de Justiça,  AgInt no CC 186181 PE, Rel. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 31/05/2022, DJe 02/06/2022.

[4] Sacramone, Marcelo. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 4. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 236 – 237; Santa Cruz, André. Manual de Direito Empresarial: Volume Único. 12. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 2022, p. 982.

[5] Brasil. Superior Tribunal de Justiça,  REsp 1.629.470-MS, Rel. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 30/11/2021, DJe 17/12/2021.

 

Fonte: Conjur.

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