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25-01-2021
A constatação prévia na nova Lei de Recuperação Judicial e Falências
Após aprovação pela Câmara e pelo Senado no segundo semestre de 2020, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 24 de dezembro, a reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Entrando em vigor neste domingo (24/1), a nova Lei nº 14.112/2020, além de propor novas opções para conferir efetividade aos processos de insolvência, introduziu a ferramenta de constatação prévia no artigo 51-A, sendo resultado de uma observável utilização desse instituto por magistrados especializados na seara insolvencial.
Preliminarmente, cabe relembrar que o instituto da constatação prévia, também conhecido como perícia prévia, ascendeu nas varas especializadas de São Paulo e passou a ser mais utilizado a partir da chegada do Código de Processo Civil de 2015, que veio a complementar o instituto recuperacional e falimentar firmado na Lei 11.101/2005 (LRE). Nessa oportunidade, a legislação processual civil conferiu ao magistrado poderes discricionários para garantir uma instrução processual adequada, com uma sessão inteiramente dedicada ao serviço pericial (artigos 156 e ss. do CPC/2015).
Em caráter prático, a constatação prévia exarada na reforma de lei foi uma alternativa que o legislador encontrou para que o magistrado fosse apto a filtrar, nos momentos iniciais do processo, situações de empresas que apenas existam no papel, sem atividade comercial, podendo identificar se a documentação necessária foi corretamente apresentada e constatar possíveis fraudes da companhia devedora através do trabalho pericial. Em síntese, com o auxílio de um perito, poderá ser averiguada tecnicamente, antes do próprio processamento da recuperação judicial, se a atividade empresarial da devedora de fato ocorre como se alega.
Dessa forma, a constatação prévia abarca uma valiosa função de detectar uma eventual inviabilidade total da companhia, não se tratando de aferir minuciosamente a viabilidade econômica da empresa devedora. Nesse sentido, o legislador previu no artigo 51-A, §5º, da nova LRE que "a constatação prévia consistirá, objetivamente, na verificação das reais condições de funcionamento da empresa e da regularidade documental, vedado o indeferimento do processamento da recuperação judicial baseado na análise de viabilidade econômica do devedor".
Outrossim, a legislação recuperacional já previa em seu artigo 51, antes mesmo da reforma de lei, a documentação que deveria instruir o pedido de recuperação judicial, entre os quais estão balanços patrimoniais e relatórios de fluxo de caixa. Considerando a complexidade técnica da análise dessa comprovação contábil, mormente evidente em momentos de crise econômica, não são raros os casos em que os magistrados não detêm tempo hábil e conhecimento técnico para interpretar os balancetes e, em cima deles, constatar uma eventual fraude financeira. Nessa perspectiva, buscando concretizar o princípio da retirada do mercado de empresas não recuperáveis, caberia ao perito da constatação prévia, que muitas vezes é o próprio administrador judicial, produzir no prazo máximo de cinco dias um exame técnico acerca do exame da atividade empresarial da devedora a ser posto à disposição do magistrado.
Além disso, a eficácia de aplicação da constatação prévia, que motivou o legislador a prevê-la na reforma da LRE, se demonstra através de dados numéricos. Isso pois, junto às varas especializadas de São Paulo, notou-se que, sem a constatação prévia, a taxa de deferimento de recuperações judiciais foi de 63,3% (521 processos) e 36,4% de indeferimento (298 processos). Já com sua utilização, a taxa de deferimento dos processos subiu para 81,7% (76 processos) e a de indeferimento caiu para 18,3% (17 processos), segundo a segunda fase do Observatório de Insolvência, da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).
Apesar dos dados admiráveis, uma das principais críticas trazidas à tona, e que merece maior atenção, é o prejuízo irrecuperável que o deferimento de uma perícia prévia poderia trazer à empresa em dificuldades. Infelizmente, em poucos dias, uma empresa pode deixar de ser recuperável e sofrer danos fatais à sua atividade comercial. Com isso em mente, a constatação prévia não deve ser aplicada como mais uma burocracia que antecede e atrasa o processamento da recuperação judicial: o que se espera é que o instituto pericial prévio seja aplicado com um alto standard de rigorosidade, cumprindo à risca o prazo máximo de cinco dias disposto em lei.
Assim, observa-se que a constatação prévia pode ser uma grande aliada do magistrado, não devendo ser aplicada como uma limitante do procedimento, mas como um filtro que permita ao juízo celeremente identificar as empresas que de fato estejam em funcionamento e com a pretensão de uma restruturação viável, o que de fato será recorrente no período pós-pandemia e com a consolidação da Lei 14.112/2020.
Fonte: ConJur