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01-12-2025
A competência do juízo falimentar para desconsiderar a personalidade jurídica
STF diz que Justiça do Trabalho não pode desconsiderar personalidade jurídica contra sócios de empresa falida
Não há dúvidas que os processos de recuperação judicial e de falência despertam muita curiosidade, atenção e principalmente críticas. Seja pela comunidade em geral, seja pelos estudiosos do direito falimentar, esses processos de insolvência chamam a atenção principalmente pelos vultuosos valores envolvidos, quase sempre acima da casa dos milhões de reais.
Após o ajuizamento de uma ação de falência ou a convolação de uma recuperação judicial em falência inicia-se uma busca incansável dos credores não apenas para receber seu crédito seguindo os ditames do art. 83 da Lei de Recuperação Judicial e Falência, mas especialmente para encontrar uma forma de fugir à regra, buscando um atalho ou caminho alternativo.
Por vezes esse “atalho” passa pela ideia de ver o reconhecimento do seu crédito como extraconcursal, ou então, pode-se pensar na tentativa de invasão do patrimônio dos sócios das empresas falidas, mediante desconsideração da personalidade jurídica.
O maior problema do afastamento da personalidade empresarial para ver responsabilizados os sócios, no caso de um processo falimentar, está situado no fato de que o concurso de credores atrai uma enorme quantidade de processos correndo paralelamente.
Seguramente pode-se dizer que os credores pugnam pela desconsideração da personalidade jurídica a fim de receber seus créditos individualmente, o que se torna um problema quando vários juízos diversos começam a entender que possuem competência para tanto.
Nesse sentido, cria-se um cenário de que em alguns casos os sócios eram responsabilizados, em outros não. Alguns credores recebiam seus créditos dos sócios, outros tinham que ceder ao concurso de credores.
A jurisprudência oscilante vinha resolvendo esse problema caso a caso, o que ficava longe de solucionar a questão de uma maneira suficientemente forte a criar segurança jurídica.
O advento da Lei nº 14.112/2020, que promoveu significativas alterações na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência), trouxe importantes inovações ao sistema falimentar brasileiro. Entre elas, destaca-se a inserção do artigo 82-A, que dispõe expressamente sobre a competência exclusiva do juízo falimentar para decidir acerca da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida e, consequentemente, estender os efeitos da falência aos sócios ou administradores.
Vamos ao texto legal:
Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
O dispositivo estabelece que compete exclusivamente ao juízo da falência processar e julgar a desconsideração da personalidade jurídica requerida em desfavor de sócios ou administradores da empresa falida. Trata-se de norma que visa conferir unidade e racionalidade ao processo falimentar, concentrando em um único juízo todas as decisões que possam impactar o acervo patrimonial e a satisfação dos credores.
A razão de ser da regra é impedir que credores, isoladamente, busquem a responsabilização pessoal dos sócios ou administradores perante outros juízos, promovendo constrições paralelas que fragilizariam a ordem e a igualdade próprias do concurso de credores. Assim, evita-se a dispersão de decisões conflitantes e assegura-se que a apuração de eventual responsabilidade se faça dentro da lógica coletiva do processo falimentar.
Na prática, a inovação legal fortalece o princípio da universalidade do juízo falimentar, segundo o qual todas as ações e execuções contra a sociedade falida se concentram em um único foro, além de tentar pacificar questão antiga enfrentada pela jurisprudência, onde temos a atuação de vários juízos influenciando o curso da falência.
A partir dessa perspectiva, a desconsideração em face de sócios e administradores passa a ser tratada como um prolongamento natural dos efeitos da falência, e não como uma disputa autônoma em outros ramos judiciais.
Outro ponto relevante é a conexão dessa regra com a par conditio creditorum, isto é, a igualdade entre os credores da massa falida. Se fosse admitido que determinados credores buscassem individualmente atingir o patrimônio dos sócios em juízos diversos, haveria risco de favorecimento e quebra da isonomia.
Ao mesmo tempo, a regra atribuiu ao magistrado falimentar o encargo da desconsideração, até mesmo porque conhece de perto a realidade da atividade empresarial falida, e tem mais condições de analisar com profundidade os elementos que indiquem ou não a existência de abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Do ponto de vista dogmático, o artigo 82-A reforça a concepção de que a falência não é apenas um processo de execução coletiva, mas também um instrumento de apuração de responsabilidade patrimonial e, em certos casos, pessoal. A unidade do juízo permite que tais dimensões sejam apreciadas de forma integrada, em prol da efetividade da tutela jurisdicional e da preservação do interesse público que permeia a insolvência.
A questão foi tratada há pouco em caso aparentemente comemorado pela comunidade que estuda o direito falimentar, em que o Supremo Tribunal Federal decidiu, através do ministro relator Gilmar Mendes, pela reforma de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que entendeu pela possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de empresa falida, para invadir o patrimônio dos sócios.
As questões tratadas foram duas. Na decisão da Reclamação Constitucional 83.535/SP, o ministro relator entendeu que houve violação da Súmula Vinculante 10 do STF, através da qual ficou estabelecido que “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. No caso, o TRT-2 afastou a incidência do art. 82-A da LRJ sem a observância da cláusula de reserva de plenário.
A segunda questão relevante, foi a de que a Justiça do Trabalho não pode levar a efeito o pedido de desconsideração da personalidade jurídica em face de empresa falida, sendo resguardada tal competência à justiça comum estadual responsável pelo feito falimentar. Citando jurisprudência do próprio STF, assim como as lições de Rubens Requião e Gladston Mamede, reformou o acórdão trabalhista e fixou a competência da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo para julgar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Ainda não foi firmado precedente vinculante sobre a matéria, mas a decisão na Reclamação Constitucional 83.535/SP certamente será objeto de citação em várias manifestações em processos em tramitação nos tribunais brasileiros.
Fonte: JOTA.
(48) 3433.8525/3433.8982