NOTÍCIAS
10-11-2025
A arbitragem, a recuperação judicial e o agronegócio
Soluções extrajudiciais auxiliam empresas em crise, promovendo continuidade produtiva, proteção de investidores e eficiência financeira.
Como sabem os que atuam em arbitragem, esse instituto foi legislado entre nós para o fim de se dar uma oportunidade aos interessados no sentido de uma solução alternativa ao Judiciário na presença de uma lide que diga respeito a direitos patrimoniais disponíveis, exigindo-se a capacidade jurídica das partes, mediante a celebração da competente convenção de arbitragem.
Do seu lado, nos termos do art. 47 da lei 11.101/05, apresenta-se a RJ - recuperação judicial como o instituto voltado para viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A RJ é implementada por meio de um plano adequado às finalidades acima referidas mediante: (i) a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 daquela lei; (ii) a demonstração de sua viabilidade econômica; e (iii) a apresentação de um laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada, a cargo do administrador judicial (arts. 53 e 54).
O administrador judicial está expressamente autorizado e estimulado a recorrer, sempre que for possível, à mediação e a outros métodos alternativos relacionados à RJ (precisamente a arbitragem) para o fim da solução de conflitos presentes e eventuais (art. 22, "j". Para o fim da realização do plano aprovado pelos credores o administrador judicial necessitará frequentemente celebrar os mais diversos contratos surgindo, portanto, a oportunidade de em relação a conflitos futuros possíveis, escolher a via da arbitragem para a sua solução. Um dos pressupostos fáticos estará na necessidade de que tais pendências arbitrais se coloquem dentro de um horizonte temporal compatível com o prazo de implementação do plano de recuperação, para que demandas dessa espécie não o extrapolem em prejuízo dos interessados. Para tanto a indicação adequada será a da adoção da chamada arbitragem expedita, nos termos dos regulamentos das câmaras de arbitragem.
É evidente que a solução arbitral somente se revelará possível quando os direitos em jogo forem de natureza patrimonial disponível, cabendo identificá-los em cada caso concreto.
Há alguns aspectos condicionantes no tocante à opção pela arbitragem em RJs, como sejam: (i) a sua natureza pública e coletiva; (ii) desenvolver-se em um juízo de natureza universal; (iii) presente a necessidade de proteção de todos os credores, seguindo as particularidades legais relativas às diversas classes; (iv) proibição de privilégios particulares, excetos os legais; (v) respeito ao princípio competência-competência em relação às questões colocadas perante os árbitros; (vi) superação do princípio do sigilo arbitral, exceto a presença de situações particulares; etc.
No tocante ao princípio competência-competência, segundo o qual os árbitros têm o poder de decisão a respeito do poder jurisdicional sobre questões surgidas em arbitragens que envolvam a RJ, ele se mantém íntegro, não cabendo ao juiz interferir na decisão adotada, seja prévia ou posteriormente a ela. Neste caso os poderes atuam em paralelo.
Quanto ao sigilo arbitral no curso de uma RJ ele somente poderá ser mantido quando necessário à preservação dos interesses da empresa em recuperação, por exemplo, no caso de uma discussão sobre a titularidade de uma patente de invenção. Dar-se-á no processo recuperacional uma notícia sobre a arbitragem em curso, sem a revelação dos elementos internos entendidos como sensíveis e cuja revelação poderá eventualmente proporcionar algum ganho aos concorrentes.
Portanto, para a implementação do plano de recuperação judicial será preciso identificar os pressupostos da arbitragem, especialmente a existência de direitos patrimoniais disponíveis, objetivando essencialmente a preservação da empresa.
E um dos campos mais importantes para a finalidade acima coloca-se no plano do agronegócio, que para os leigos se apresenta como um verdadeiro paradoxo. De um lado ele é a mola propulsora da economia nacional, em grande parte, produzindo mais a cada ano que passa em sucessivos e espantosos recordes de safras. De outro lado passa por uma séria crise, que se reflete em uma enorme quantidade de pedidos de RJ.
Na verdade, se o todo do agronegócio vai bem, há setores em péssima situação, devido a fatores relacionados à covid-19 (ainda), econômicos e ambientais, que afetaram a adimplência dos financiamentos tomados pelos produtores, sabendo-se que o crédito é essencial nessa área, em função da sazonalidade dos produtos, verificada a diferença temporal entre os investimentos para o plantio/criação e a sua venda. O "tarifaço Trump" tem também o seu papel nesse cenário.
Informações apontam para os seguintes números parciais: (i) 420 pedidos de RJ protocolados no primeiro semestre de 2024; (ii) total de 2.273 pedidos em 2024; (iii) 700 pedidos no primeiro semestre de 20251.
A par dos juros elevados, verificou-se a queda dos preços de commodities no mercado internacional, a exemplo da soja, tendo o preço da saca caído de R$200 em 2022 para R$90 em 2025, havendo os fertilizantes e defensivos ficado mais caros em função da alta do dólar.
Noticia-se a existência de abusos nos pedidos em RJ nesse setor, feitos como forma de pressionar credores e de ganhar tempo antes de uma falência certa. Verdade ou não o fato está em que há uma crise que deve ser tratada em caráter institucional, a partir do governo e em caráter privado no caso das RJs. E quanto a esse último aspecto deve-se atentar para a difícil tarefa de se averiguar se é efetiva a possibilidade da recuperação econômica da empresa que pede a proteção do instituto ou, ao menos, de parte dela, separando-se o pedaço bom do pedaço ruim. Fora isso, a concessão da RJ somente causará grande prejuízo para os credores no seu caminho atribulado, não sendo o caso de se insistir na busca da salvação de uma e perda de uma unidade microeconômica sem condições de ser levada adiante.
O momento ótimo para a avaliação a ser feita é o da constatação prévia prevista no art. 51-A, que deveria ser obrigatória e não facultativa, mas se estendendo além da verificação de aspectos formais e das reais condições de funcionamento da requerente da RJ, mas a de mostrar-se efetivamente viável, segundo as condições do mercado e da situação particular da empresa. Tratar-se-ia de um juízo de valor relevante para se afastar fraudes e situações inviáveis de recuperação, mas verdadeiramente indispensável.
_________
1 Cf. "Crise no campo: pedidos de recuperação judicial por produtores rurais disparam, 45%", Pujante, de 27/8/2025.
Fonte: Migalhas.
(48) 3433.8525/3433.8982