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10-11-2025 

20 anos da Lei de RJ e falências: respiro para empresas, sufoco para credores

A recuperação judicial se consolidou como ferramenta indispensável para a preservação dos negócios no Brasil. Ao longo dos 20 anos de existência da Lei 11.101/2005, que criou esse instituto, os pedidos de recuperação cresceram de forma consistente até atingir o seu recorde em 2024. As autorizações concedidas pela Justiça para o início desse processo saltaram 69% em relação ao ano anterior, passando de 1.139 para 1.921, de acordo com dados da Serasa Experian.

Por outro lado, o seu crescente uso levanta questionamentos sobre eventuais distorções. Em agosto de 2025, a Justiça de São Paulo extinguiu a recuperação judicial de duas empresas por usarem o instituto como forma de elidir o pagamento de dívidas. A juíza Andréa Galhardo Palma, da 2ª Vara Regional Empresarial das 1ª, 7ª e 9ª RAJs de São Paulo, afirmou que as companhias estavam “utilizando-se do processo recuperacional como instrumento de proteção indevida contra suas obrigações legais” e condenou-as ao pagamento de multa de quase R$ 900 mil por “ato atentatório à dignidade da Justiça”.

Decisões como essa evidenciam o novo retrato da Lei de Recuperação Judicial e de Falências, em seus 20 anos. Ao Anuário da Justiça, a juíza apontou que empresas têm usado o pedido de recuperação apenas para se valer do stay period, que permite a suspensão das cobranças.

Segundo o advogado e professor de Direito Comercial na PUC-SP, Marcelo Guedes, “há estudos que mostram que a recuperação judicial não obedece a essa lógica de, quando o PIB cai, a quantidade de RJ sobe, ou vice-versa. “Existe um crescimento sustentável ao longo dos anos [do número de RJs] que pode indicar a existência de uma indústria da recuperação. Talvez, haja empresas que usem o instituto para outras finalidades que não a de se recuperar, que haja um desvio de finalidade”.

página 23 (2) - Anuário da Justiça Direito Empresarial 2025

Em 2024, número de empresas com autorização para iniciar recuperação judicial saltou inéditos 69%

Guedes entende que esse cenário é consequência da atual legislação. E defende que o processo de insolvência precisa ser mais pró-credor, protegendo também quem detém crédito, em vez de priorizar exclusivamente a preservação do devedor. “A falência não pode ser uma alternativa horrorosa. Tem de ser mais rápida e efetiva para os credores, para poderem se apossar dos ativos e, pelo menos, realizar uma parte do crédito deles”, avalia, ao mencionar que o uso da RJ não significa que as empresas não estão quebrando. “Se não há falência numa proporção razoável ao total de empresas [existentes], significa que as empresas não estão morrendo? Não, elas estão. Mas elas estão sendo liquidadas da maneira errada. Na prática, há no Brasil um desmanche de empresas”, disse.

 

página 23 - Anuário da Justiça Direito Empresarial 2025

 

Marcelo Barbosa Sacramone, advogado e ex-juiz de vara especializada em falências e recuperação judicial em São Paulo, também relaciona o elevado número de adesões à RJ à falta de credibilidade do processo falimentar. Ele observa que muitos credores aprovam planos de recuperação desfavoráveis porque a falência seria ainda pior. “A falência no Brasil demora mais que 16 anos. Se a empresa vale R$ 100, vai ser vendida por R$ 12. E vai consumir quase tudo em custas, despesas e honorários, deixando ao credor praticamente nada. A falência é considerada um fenômeno endógeno, ou seja, ele se auto-consome. O credor recebe zero. Entre zero e qualquer coisa, RJ é ótima, ainda que aquele plano seja horroroso”, disse, durante seminário sobre os 20 anos da Lei de Recuperação promovido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

 

Antes da Lei 11.101/2005, o processo falimentar era regido pelo Decreto-Lei 7.661/1945, pautado por uma lógica punitiva e liquidatória. A concordata era o único recurso de preservação, mas restrita a poucos credores e ineficaz para reestruturação, pois não abrangia dívidas trabalhistas ou fiscais. O resultado era um sistema centrado na liquidação do patrimônio, sem espaço para negociações, com processos longos e baixa recuperação de créditos.

página 22 - Anuário da Justiça Direito Empresarial 2025

 

A Lei de Recuperação rompeu com esse modelo ao priorizar a manutenção da atividade econômica, inspirando-se em experiências estrangeiras, como o Chapter 11 (Estados Unidos), e buscando equilibrar interesses de credores e devedores. Posteriormente, a Lei 14.112/2020 modernizou o instituto, trazendo novidades como a possibilidade de produtores rurais requererem recuperação, maior participação dos credores nos planos de RJ e mecanismos de financiamento para empresas em crise, como o DIP Financing.

Advogada e administradora judicial, Lívia Gavioli Machado, sócia da Ativos Administração Judicial e Consultoria Empresarial, pondera que eventuais abusos no uso da RJ não limitam o debate sobre a lei. Ela destaca que o controle exercido por juízes e administradores judiciais, a partir da análise de documentos, endividamento e garantias, já funciona como barreira contra pedidos indevidos. Embora reconheça que o instituto possa ser usado para meramente postergar dívidas, sem viabilidade real de recuperação, Machado alerta que esse risco não pode desincentivar o uso legítimo da ferramenta. “Quanto antes a empresa reconhecer sua crise e avaliar a viabilidade de recuperação, melhor — preferível do que esperar a insolvência, quando já não há faturamento, crédito ou perspectivas, restando apenas usar a RJ para adiar a falência”, disse.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2025
ISSN: 2965-4580
 

Fonte: Conjur.

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