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22-05-2019 

STJ define os limites da ingerência judicial no plano de recuperação de empresas

Por José Rogério Cruz e Tucci

Há alguns meses abordei neste importante periódico a questão relativa aos poderes judiciais diante do pedido de desistência do recurso interposto contra decisão monocrática que homologa o plano apresentado por empresa recuperanda.

Assinalei, naquela oportunidade, que a doutrina e a jurisprudência consideram o objeto da recuperação judicial como um negócio jurídico complexo, de natureza privada, celebrado entre a recuperanda e seus respectivos credores.

E, exatamente por esta razão, nada obsta a que, a teor do artigo 998 do Código de Processo Civil, o credor, que interpôs agravo de instrumento contra a decisão homologatória do plano, desista do recurso.

Tenha-se presente que a desistência do recurso constitui um fenômeno extintivo do poder de recorrer, que inviabiliza a sua apreciação e subsequente julgamento. Tal atitude da parte recorrente, a rigor, implica o "desaparecimento" da impugnação; é como se jamais tivesse sido manifestada alguma irresignação contra o ato decisório recorrível!

Em significativo precedente a propósito desta questão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.408.973/SP, da relatoria do ministro João Otávio de Noronha, assentou que: “A recuperação judicial visa a continuidade de empresa em crise econômico-financeira. Tem por fonte a função social da empresa, desempenhada pela atividade produtiva, buscando-se manter empregos, sem abalos à ordem econômica... Tal como é lícito a qualquer credor formular o pedido de falência, também o é desistir do pedido antes de decretada a quebra, ainda no campo da recuperação judicial, pois, enquanto perdura a recuperação judicial, os interesses prevalecentes são os privados, os interesses patrimoniais dos credores, embasados pelo interesse social de que a empresa se mantenha...”.

Importa ressaltar expressivo trecho constante de um dos votos vencedores, proferido nesse mesmo julgamento, pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, textual: "... Com efeito, não é hipótese de julgamento sob o rito de recurso repetitivo... Além disso, ainda que admitida a natureza pública normativa do instituto da recuperação judicial, isso por si só não determina a necessidade de relativização do direito de desistência da parte, sob pena de que toda a matéria de índole pública submetida a julgamento, envolvendo direito material ou instrumental, seja potencialmente invocada como justificativa para mitigar a redação evidente do artigo 501 [atual artigo 998] do Código de Processo Civil... Portanto, não se sustenta o argumento trazido pelo voto condutor de ‘que o interesse envolvido no julgamento do recurso não é apenas do agravante mas de toda a coletividade de credores da recuperanda’, exatamente porque constitui elemento fático incontestável dos autos o fato de que a busca da quebra da devedora era intenção isolada, que não representava o interesse dos demais credores...".

Saliente-se que, em época mais recente, no início do ano de 2018, esta mesma tese foi novamente secundada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na Questão de Ordem nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.159.042-PR, levantada e relatada pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Esta, pois, a orientação que prevalece nos domínios do Superior Tribunal de Justiça. É dizer: mesmo no âmbito da recuperação judicial, nada impede que a desistência do recurso seja respeitada pelo Judiciário!

Não obstante, em algumas situações, a Corte de Justiça bandeirante tem se afastado desse posicionamento jurisprudencial.

Com efeito, num caso recente, observa-se que a turma julgadora, a despeito da expressa desistência do recurso, não apenas acolheu a irresignação do credor recorrente, como acabou decidindo o mérito da questão trabalhista, atingindo até mesmo credoras que não se insurgiram contra a homologação do plano.

Infere-se do caso concreto que, na assembleia geral, realizada em 2017, os credores haviam determinado prazo de pagamento de cinco anos, período maior do que aquele contemplado na Lei de Recuperação Judicial. Contudo, o próprio sindicato da categoria apresentou manifestação, concordando com o que foi deliberado em assembleia.

Três credores quirografários interpuseram agravo de instrumento contra a aprovação do plano de recuperação. Em sequência, formularam pedidos de desistência.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, a despeito de ter homologado o pleito de desistência de dois agravantes, deixou de acolher o pedido de outro recorrente e, assim, de ofício, passou a examinar os termos do próprio plano de recuperação, estabelecendo inclusive novos prazos para pagamento aos credores!

Diante dessa decisão colegiada, para evitar a superveniência de manifesto prejuízo, as recuperandas deduziram pedido de tutela provisória ao Superior Tribunal de Justiça – n. 2.025-SP -, visando à concessão de efeito suspensivo ao agravo interposto pelas requerentes, até o seu respectivo julgamento. Tal pedido foi distribuído ao ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Na respectiva decisão monocrática, o referido ministro relator expôs, preambularmente, as duas correntes doutrinárias que enfrentam o tema da desistência de recurso, na esfera da questão emergente, tendo ressaltado, no entanto, que: "A linha argumentativa desenvolvida pelas requerentes possui um considerável grau de plausibilidade, suficiente a amparar o pedido de tutela provisória de urgência".

Em segundo lugar, ponderou o ministro Sanseverino, que restou demonstrada a adequação e a necessidade da providência cautelar, considerando a determinação do Tribunal de Justiça de origem, no sentido da "anulação do plano de recuperação judicial, a fim de que outro seja apresentado no prazo de 45 dias, com a exclusão das inconsistências referidas..., evitando-se a realização de atos processuais custosos e que poderão se mostrar desnecessários caso haja o provimento do recurso especial".

As requerentes sustentaram, em suma, que: i) "o tribunal a quo além de julgar recurso revogado ante o pedido expresso de desistência da referida agravante, o que deveria ser cumprido de imediato, já que dispensa autorização ou homologação do Judiciário, determinou a alteração do plano de recuperação judicial em pontos que sequer foram objeto de inconformismo da recorrente"; e ii) "além dos vv. acórdãos violarem os dispositivos apontados, há nítido periculum in mora, consubstanciado na apreciação de novo plano de recuperação judicial que altera substancialmente a forma e o tempo de adimplemento das obrigações, cuja assembleia geral foi agendada para o dia 24 de maio e que acarretará insegurança jurídica às requerentes e seus credores".

Seguindo ainda a fundamentação do decisum, verifica-se que o ministro relator aduziu:

Analisadas as razões articuladas no presente pedido, bem como no recurso especial, observa-se, no juízo perfunctório que é próprio do presente momento, o preenchimento cumulativo dos requisitos autorizadores.

Relativamente à probabilidade do direito alegado, o recurso especial aponta violação aos artigos 200 e 998 do Código de Processo Civil, e 54 e 58 da Lei 11.101/05...

Em primeiro lugar, a apontada violação aos arts. 200 e 998 do CPC merece uma análise mais cuidadosa.

Em regra, a parte recorrente pode desistir do recurso interposto independentemente de consentimento da parte adversária e de homologação judicial para a produção de efeitos. Isso porque, os atos praticados pelas partes produzem efeitos imediatos, somente necessitando de homologação para produzir efeitos a desistência da ação (§ único, do art. 200, do CPC) e não a desistência do recurso.

Há, inclusive, precedentes que amparariam a tese recursal...

Por outro lado, não se desconhece o entendimento de parte da doutrina, no sentido de que: ‘a desnecessidade de homologação judicial não significa a exclusão de toda e qualquer atuação do juiz (ou do tribunal). É óbvio que este há de conhecer o ato e exercer sobre ele o normal controle sobre os atos processuais em geral (...) aqui, toda a eficácia remonta à desistência, cabendo tão-somente ao juiz ou ao tribunal apurar se a manifestação de vontade foi regular e - através de pronunciamento meramente declaratório - certificar os efeitos já operados’ (Didier Jr., Fredie e Cunha, Leonardo José Carneiro, Curso de direito processual civil, vol. 3, 15ª ed., Salvador, JusPodivm, 2018, pág. 125)...

Em segundo lugar, à vista da demonstração do fumus boni iuris e considerando a determinação de: ‘anulação do plano de recuperação judicial, a fim de que outro seja apresentado no prazo de 45 dias, com a exclusão das inconsistências referidas’ (e-SJT Fl. 295), tenho por atendido também o requisito do periculum in mora a autorizar a concessão do almejado efeito suspensivo, evitando-se a realização de atos processuais custosos e que poderão se mostrar desnecessários caso haja o provimento do recurso especial.

Ante o exposto, defiro o pedido de tutela provisória de urgência para suspender os efeitos do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos do AI 2203675-60.2017.8.26.0000 até o julgamento do agravo em recurso especial.

Importa ressaltar, em conclusão, que este pronunciamento judicial reafirma um dos fundamentos dogmáticos mais importantes do processo civil de índole liberal, consistente na ideia de que nemo iudex sine actore, vale dizer, de que o processo se desenrola por iniciativa exclusiva das partes. A decisão, pois, se encontra absolutamente afinada com o vigente sistema processual brasileiro, cuja tendência sempre foi a de respeitar a vontade soberana dos litigantes!

Fonte: Consultor Jurídico

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